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Titular em Letras Clássicas, professor de Língua Latina, Literatura Latina e Literatura Grega da UFPB. Escritor, é membro da Academia Paraibana de Letras. E-mail: [email protected]

Você só dá aula?

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publicado em 30/06/2022 ás 12h55

Sempre ouço o lamento, justo, diga-se de passagem, de professores sobre o salário que recebem. Sei que precisamos de melhores salários, mas não me iludo pensando que os nossos desgovernantes um dia vão pagar o que os professores merecem. Por outro lado, tenho consciência do muito trabalho que temos – estou nessa estrada há 45 anos – e de que sempre precisamos mostrar mais trabalho. Vivemos uma espécie de suplício de Sífiso real, necessitando dizer, a cada dia, à sociedade que trabalhamos e trabalhamos duro e, o mais das vezes, em péssimas condições, pois a rocha está sempre a escapar das nossas mãos, antes de chegar ao topo.

Tenho a sensação de que matar um leão por dia já não é suficiente. A exigência aumentou consideravelmente. Exige-se do professor, parafraseando Millôr Fernandes, algo como pintar uma Capela Sistina por mês, de modo a que ele justifique os parcos salários. A inefável, incontornável e sempre reiterada pergunta – “Você não trabalha, só dá aula?” – não me deixa mentir. Para muitos, o trabalho do professor se resume a aulas, o caminho por trás da aula nunca conta, porque sempre ignorado.

Como disse, não me iludo, com relação à mudança da situação, mas tenho a consciência de que a luta por melhores condições de trabalho deve ser ininterrupta, não cabendo apenas aos professores. Ela é, sobretudo, da sociedade. O primeiro passo é o próprio professor dar importância, seriedade e responsabilidade ao trabalho que faz. Se ele o avilta, ele é o primeiro a desconsiderar o que faz e não pode exigir que seja respeitado. O segundo passo é discutir seriamente com os nossos (des)representantes, com pais, mães e responsáveis pelos alunos, sobre qual educação queremos e qual progresso teremos sem investimento na educação. Discussões sem partidarismos políticos, mas fazendo a boa política do bem-comum, visando melhoras na infraestrutura escolar e buscando incansavelmente a realização de um projeto de Estado para a Educação. A melhoria salarial, a ponto de dignificar a profissão, viria por acréscimo. O professor, como todo profissional capacitado, merece um salário digno, que não deve ser confundido como salários estratosféricos, como os que existem em algumas carreiras e os que caem no colo dos que têm cargos e funções comissionados…

Fala-se muito na necessidade da leitura. Mas a leitura não cai no colo de ninguém. Para que ela exista, há a necessidade da criação de um hábito, que vem de casa, porque existiu e existe na escola, equipada com uma boa biblioteca. De nada adianta, ficar falando que a leitura transforma, porque é palavrório vazio. É preciso construir as condições para que essa leitura surja e o caminho é um projeto de Educação, que se vincule de modo pétreo ao Estado, não a partidos. Tem razão o poeta Pierre Gringoire, personagem de Victor Hugo, em Notre-Dame de Paris (O Corcunda de Notre-Dame), quando diz:

Chacun sait que les grandes richesses ne se tirent pas des belles-lettres, et que les plus consommés aux bons livres n’ont pas toujours gros feu l’hiver” (Livre X, chapitre V, p. 442).

Cada qual sabe que as grandes riquezas não se obtêm das belas letras e que os mais dedicados aos bons livros nem sempre têm grande fogo no inverno”.

A compreensão de que as transformações sociais ocorrerão com um sistema educacional que funcione a contento – escola que abriga, professores capacitados e bem pagos, pais comprometidos, Estado gestor – pode inibir a obtenção, muitas vezes ilícita, de grandes riquezas, como pode trazer aos que se dedicam à educação o bom fruto do aquecimento do corpo, no inverno sazonal, e do espírito, nos frequentes períodos hibernais da vida.

Mas isto não se faz apenas com palavras e com boas intenções. É preciso que haja ação objetiva.

* Os textos dos colunistas e blogueiros não refletem, necessariamente, a opinião do Portal MaisPB