João Pessoa, 06 de julho de 2022 | --ºC / --ºC Dólar - Euro
Adoro fazer listas. De um tudo, em especial de coisas literárias. Quem faz listas deste tipo, de certa maneira faz a gestão da beleza, nas suas misteriosas virtualidades. Lista dos dez, quinze ou vinte melhores sonetos e poemas, crônicas preferidas, romances inesquecíveis ou contos amados, não importa. Importa mesmo o fervor de listar, em escalas específicas ou critérios gerais, aqueles textos que bateram forte na alma da gente e calaram fundo nas reservas emotivas do velho coração.
Se for de contos, curtos, médios e longos, estes quase novelas, a me valer do fator quantitativo nem sempre confiável, embora às vezes urgente e necessário, gostaria de compartilhar com você, caro leitor, algumas sugestões que reputo do melhor quilate, entre autores de lá fora e de cá de dentro, da língua portuguesa e de outros idiomas estrangeiros.
Penso logo em três colunas vertebradas da contística mundial, como Anton Tchekov, Guy de Maupassant e Katherine Mansfield, alicerçando uma tradição que vai do melhor realismo psicológico e social às inquietações difusas do texto moderno. Do russo, lembro-me de “Enfermaria número 6”, “O assassinato” e “O professor de letras”; do francês, impossível não citar “Bola de sebo”, “A pensão Thellier” e “Em família”; da novazelandesa, aprecio, em particular, “Felicidade”, “Na praia” e “Je ne parle pas français”.
Em geral são contos longos, densos, dolorosos, carregados de ressonâncias existenciais que podem servir para temperar as fibras frouxas de nossa pequenina condição humana. Nesta mesma linhagem, convoco Tolstói, com “A morte de Ivan Ilicht”, segundo Otto Maria Carpeaux, o conto mais perfeito da literatura universal; “O padre Sérgio” e “Memórias de um louco”. E já que falei num russo, não posso olvidar o belo e pungente conto de Maximo Gorki, intitulado Konoválov, lido na adolescência e relido a vida inteira com estesia sempre renovada.
De Henry James, este anglo-americano como T. S. Eliot, com suas sofisticadas incursões pelo universo ambivalente da vida literária, destaco “A lição do mestre”, “O desenho do tapete” e “A vida privada”, escritos sob as espátulas da mais fina e sutil ironia e com inteiro conhecimento de causa acerca dos intrigantes dilemas das ilusões literárias.
Na língua espanhola, quem o lembra, pelo menos dentro de certa perspectiva, é o Jorge Luís Borges dos labirintos discursivos e do ceticismo estético diante das fábulas do mundo. Do argentino genial, vamos ler “O outro”, “A biblioteca de Babel”, “Pierre Menard” e “As ruinas circulares”. De outro argentino, Julio Cortázar, chamo a atenção para “A autoestrada do sul”, “A saúde dos doentes” e “O perseguidor”, este um relato destemido e poético sobre a vida de Charlie Parker e os meandros sombrios do jazz.
Na língua espanhola, no entanto, há um livro que vale por uma lista, uma lista de ouro de contos extraordinários. Quero me referir a Doze contos peregrinos, de Gabriel García Márquez, livro no qual trabalhou dezoito anos para chegar a forma final que almejava dentro da mais rigorosa exigência artística. Todos os contos são simplesmente geniais, mas aposto na grandeza singular e absoluta destes três: “O avião da bela adormecida”, “Só vim telefonar” e “O rastro de sangue na neve”.
Va lá, leitor, e confira. Você jamais achará que me equivoquei! Ora, e quanto aos de casa?
Meu amado Machado de Assis me parece o paradigma insubstituível. Ninguém sai impune da leitura de “A cartomante”, “A missa do galo”, “A causa secreta”, “Cantiga de esponsais”, “Noite de almirante” e de “Uns braços”, principalmente “Uns braços”, dissecado, com olhar de mestre pela intuição crítica do poeta Lêdo Ivo, em ensaio magistral.
E há tantos outros contistas de primeira. Monteiro Lobato, Graciliano Ramos, Guimarães Rosa, Clarice Lispector, Rubem Fonseca, Sérgio Sant`Anna, Dalton Trevisan, Luís Vilela, Hélio Pólvora, Moacyr Scliar, Aramis Ribeiro Costa, Breno Aciolly, Heloísa Seixas, Moreira Campos e Antônio Bulhões, com exemplos de contos que podem integrar a lista mais refinada. Outro dia darei notícias do que li e escolhi destes autores.
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TURISMO - 19/12/2024