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Magistrado, colaborador do Diário de Pernambuco, leitor semiótico, vivendo num mundo de discos, livros e livre pensar. E-mail: [email protected]

Os ataúdes de minha mãe

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publicado em 07/07/2022 ás 07h00
atualizado em 06/07/2022 ás 20h17

Quando minha mãe bateu a espoleta e partiu desta para melhor, já contava oitenta e nove anos de idade. Morou no varadouro, costumava dizer que era vizinha da central de polícia; do palácio do governo e do cemitério mas não queria frequentar nenhum dos três.

Trabalhou em cartório e era muito conhecida. Enviuvou e deixou três filhos homens. E fomos nós a sua joia rara, seu verdadeiro tesouro a quem protegia com o zelo de leoa parida. Se não fez riqueza neste mundo, sempre se preocupou em ter um confortável traslado para o além. E contratou seguros de vida (ou de morte), que dentre outras coisas, lhe garantiam quatro urnas funerárias. Adquiriu também um lote no campo santo. Era uma pessoa que, sob esse aspecto, tinha literalmente onde cair morta.

Mas a aquisição do lote para a sua morada final deu-se complicado. O primeiro cemitério foi invadido, não por almas penadas, mas por moradores sem teto que ali construíram seus barracos. O segundo, ao escavacar os sete palmos, o buraco findou num cano de esgoto e a fez desistir de passar o resto da morte entre as fezes alheia. No terceiro, o ataúde teria que ser enterrado na vertical, também desistiu por não querer passar a eternidade em pé. Por fim, encontrou o lote ideal, local aprazível, boa vizinhança e um silêncio catacumbal. Disse que dali não ia mais sair e continua lá quietinha e sossegada. Para tanto, usou apenas um dos quatro caixões e dispensou os demais. Com bom humor, dizia que não seria sepultada aos pedaços.

Há mais de quinze anos que Juracy Lacet Porto nos disse até logo, num passamento tranquilo refestelada numa rede na casa de meu irmão Adhailson, ali pertinho do Bar do Baiano. Seu nome virou rua de nossa capital com o CEP 58060-026. Não é ladrilhada de brilhantes, mas tem o brilho eterno de seu sorriso.

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