João Pessoa, 07 de julho de 2022 | --ºC / --ºC Dólar - Euro
Domingo passado fui comprar a Folha de São Paulo, na mesma banca, em frente do mar e do Mercado de Peixes de Tambaú, como quem procura um Silabário, para ensinar signos a uma nova pessoa. É sempre assim.
Algo que mostrasse um filme, não o que fiz na década de 80, “Os Mortos Mandam Lembranças”, mas para entender porque perdemos nossos amigos, amores, seus gestos, conhecimentos e inquietações.
A visão do largo é larga, chovia e o guarda-chuva era puxado pelo vento, mas o fogo da vida estava ali. O viajante não sou eu, mas o pescador que traz o peixe do mar.
Na canção de Zé Manoel, ele pede a Oxum que venha buscá-lo, caso ele se perca, porque ele é pescador e não sabe remar. A canção é “Rio das Lembranças”. Pena que Galvão não conheceu a obra desse imenso pernambucano, pianista que toca no cedê “Noturno” da cantora Maria Bethânia.
É exatamente através dessa vela, desse viés, se misturando ao movimento dos barcos, com imagens de pescadores, que eu vejo Galvão no largo da paixão, cujos lugares tão preenchidos e escassos batem na solitude dos corações da mulher Jória e da filha Clarice. No meu, no teu, dos irmãos, dos amigos. São tantos.
Galvão, um rapaz que fez sua viagem há exatamente um ano.
Eu abro a janela do carro e vejo as árvores enormes do largo de Tambaú, vejo negros e brancos, crianças e idosos e o passeio dos jovens em seus patins e bicicletas. E vejo Hamlet, o príncipe que me assusta mais que Shakespeare, com uma densa possibilidade resistir. Galvão e suas vidas. Muitas vidas.
Um dia, ele me disse: “Mestre K, já que estás lendo os policialescos de Leonardo Padura, veja os filmes também”. Eu gostei muitos dos filmes, mas acho longa a história do homem que amava os cachorros. Mas é tão bom amar os cachorros…
Algo em Galvão me lembra Carlitos. Certamente, a maneira como ele corria na calçada da praia.
O beijo acanhado dele era mais que a intensidade desse rolê, onde já estão prédios demais e casas de menos. Aliás, derrubaram a casa azul da avenida Nego. Eu não nego, Galvão está na sombra da cidade, onde ele ficou emoldurado.
Um cavalheiro andante, politicamente incorreto, que nem eu.
O gesto dele acanhado no interior da banca de revista sem fugir da notícia, pelo hábito amoroso de ir comprar a Folha impressa aos domingos para sua mulher, Jória Guerreiro.
Quando o câncer do meu pai avançou e eu estava longe de mim, lembro dele cantando canções ou assobiando. As pessoas diziam que ele estava delirando, mas delirar é bom, né? Toda vez que ouço passei a noite procurando tu, fico arrepiado.
Quando não calamos a saudade olho no olho, como seres atravessados de um mesmo relâmpago ou na luz de um arco-íris, talvez um vagalume, um Totem abrindo caminho no escuro, eu me animo e deixo de ser um homem imaginário, o homem imaginário que Walter Galvão era.
Kapetadas/Galvanizadas
1 – “O homem vitima do ódio do homem”. dele
2 – “Amanhã a luta refeita”, dele
3 – “Os bailes em que cantei, as juras de amor que ouvi”, dele
4 – Eu vi a passagem da vida plena, e de tão bela parecia de passagem”, dele
3 – Som na caixa: “Tenho o caminho do que sempre quis, e um Saveiro pronto pra partir”, Milton Nascimento.
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OPINIÃO - 22/11/2024