João Pessoa, 08 de julho de 2022 | --ºC / --ºC Dólar - Euro
O ano é 2011. Eu estava no segundo ano do ensino médio na Escola Alfredo Dantas, em Campina Grande. A triste notícia assola toda Paraíba: morreu o professor Valderi Carneiro, no auge da vida com seus 44 anos.
Até então, sabíamos pouca coisa. Eu muito menos, uma vez que não era ligado ao noticiário (achava um saco, pasmem). Pouco tempo depois, soubemos que Valderi havia sido morto por ser homossexual. Um crime bárbaro.
Neste sábado, 9 de julho, o calendário nos lembra que ele foi embora há exatamente onze anos. Um ser incrível, um docente singular e um exemplo de luta por igualdade e respeito.
Lembro desse fato, todos os anos, como algo enternecedor. É que meu pai festeja aniversário no mesmo dia.
Há tempos, leitora, leitor, da minha vontade de escrever sobre o professor Valderi. Sempre o admirei. Suas aulas recheadas de bom humor encantavam aqueles estudantes sedentos de conhecimento, não só de Redação, disciplina lecionada por ele, mas de conhecimentos de vida, de humanismo.
Coincidência ou não, nesta semana a DataFolha divulgou que a maioria (dos brasileiros) diz que o professor deve evitar falar sobre política. O que diria Valderi numa situação assim?
Dias atrás eu estava assistindo (novamente) a um vídeo dele conversando com alunos… conversando sobre cotidiano, sobre questões inerentes a cada um de nós e que não devem ser evitadas. Eu estava lá, naquela sala de aula.
— “Ah, Yago, mas qual relação entre a pesquisa e o vídeo de Valderi?” Tudo a ver. Quando a pesquisa trata de política, ela aborda o conceito mais amplo de sua essência. Refletir, trocar ideias… é política. Foi o que Valderi fez naquele dia. Ele não comentou sobre candidatos, partidos ou coisa do tipo. Ele sabia que nada disso tinha tanta importância.
A palavra “política” vem do termo grego “politikos”, que designava os cidadãos que viviam na “polis”. “Polis”, por sua vez, era usada para se referir à cidade e também, em sentido mais abrangente, à sociedade organizada.
Onde quer que haja duas ou mais pessoas, haverá a necessidade de definir regras de convivência, limites de ação e deveres comuns. A política acontece justamente no ato de existir em conjunto. Precisamos de mais discussões sobre política, sim, e a escola tem tal papel.
O curioso é que o exímio catedrático relatava um caso de preconceito vivido por um de seus alunos devido à orientação sexual. Na ocasião, Valderi afirmou que pediu tolerância, inclusive chamando a atenção do acusado na frente de todo mundo. Quem diria que o mesmo mestre enfrentaria tal infortúnio? Aos interessados, o vídeo está no YouTube, podendo ser encontrado facilmente.
Quando vejo dados semelhantes aos do DataFolha tenho certeza de que a sociedade está atrasada. Professores não são educadores – até porque educação é oriunda do contexto familiar –, no entanto, têm um papel de instruir os discentes, encaminha-los ao mercado de trabalho… e, consequentemente, isso passa por preleções acerca do mundo existente lá fora.
Renata Aquino, do grupo Professores Contra o Escola Sem Partido, criado por docentes da Universidade Federal Fluminense em 2004, diz que a pressão provocada por movimentos conservadores continua. “Hoje somos mais comedidos. Não éramos assim há quatro anos. A autocensura [dos professores] é a principal vitória deles”, diz.
Precisamos de mais Valderis nas salas de aula e do lado de fora delas – gente que se assuma diante das possibilidades da vida e que viva. Assim como ele o fez.
Calaram sua voz, mas não seu legado; Mataram um homossexual, não uma luta. Obrigado por tudo, professor!
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TURISMO - 19/12/2024