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Poeta, escritor e professor da UFPB. Membro da Academia Paraibana de Letras. E-mail: [email protected]

Solha no reino mágico dos vocábulos

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publicado em 13/07/2022 ás 07h00
atualizado em 12/07/2022 ás 21h53

Waldemar José Solha já ultrapassou a casa dos 80 anos, mas está em plena atividade criativa. Personalidade inteiramente dedicada aos sortilégios da vocação estética, em suas múltiplas interfaces, vem, desde a publicação de Trigal com corvos (2004), exercitando-se na composição de um longo e transversal poema de índole sobretudo meditativa, distribuído em títulos autônomos, porém, complementares, a saber: O marco do mundo (2012); Esse é o homem: tratactus-poetico-philosoficus (2013); Deus e outros quarenta problemas (2015); A engenhosa tragédia de Dulcineia e Trancoso (2018); Vida aberta: tratado poético-filosófico (2019), e, o mais recente, 16 de laranjas mecânicas, bananas de dinamite (Cajazeiras: Arribaçã, 2021).

Já pelos títulos, em suas ressonâncias catafóricas de ideias e significações, percebe-se a ansiedade totalizadora no plano do conhecimento e na seara reflexiva que fazem da lírica concêntrica e aberta de Waldemar José Solha uma espécie de ensaio, entre prosaico e poético, acerca do ser e da linguagem, dos seus diálogos e conflitos, das suas possibilidades e emudecimentos. Mesmo A engenhosa tragédia de Dulcineia e Trancoso, em sua especificidade temática, não fratura a unidade cerrada e homogênea que capitula as especulações gerais desse imenso rio expressivo que, na perspectiva lírica, não elide, todavia, o potencial épico e dramático que move as águas de suas fluidas e contraditórias correntezas. Sempre senti palpitar, na poesia de Solha, o agudo nutriente da coralidade e da dramaturgia.

O último poema dessa série macrotextual, este 16 de laranjas mecânicas, bananas de dinamite, parece esmiuçar cada vez mais a necessidade de pensar dentro do ritmo heterodoxo da linguagem poética. Pensar a criação dos elementos e das criaturas, sua trajetória de dores e alegrias, de fracassos e vitórias, pois sendo o homem lobo do homem, “somos”, diz o poeta, à página 17: “cada vez mais,  ∕ o mais fascinante ∕ dos animais”, como que antecipando o que se escreve à página 29: “{…} somos (… nada menos, nada mais) ∕ …que ∕ geniais”.

Seus versos, ora curtos e sintéticos, ora distendidos e alongados, participam de uma redação erudita e prosaica, em certo sentido, desconstruindo os movimentos internos do verso tradicional, numa pegada firme e resoluta que tem, no absoluto histórico, artístico e existencial, seu ponto de partida e de chegada. Como os outros, este poema também é uma arriscada viagem. Há, nos passos que desenvolve ao longo da meditação, nas regiões mentais e sensíveis que frequenta, a preocupação constante com os fazeres e saberes humanos dentro da escala biológica, psíquica e metafísica, como se, antes de se impor enquanto idioma poético, ousasse assumir a disciplina severa e iluminada de um fragmentário tratado filosófico.

Tal não me parece novidade, no entanto, a considerar a perspectiva multifária e totalizante de seus longos poemas anteriores, todos, na sua propositura intrínseca, perfeitamente integrados ao parâmetro do que venho denominando de uma poética da leitura. Leitura do homem, leitura da palavra e das imagens, leitura dos processos culturais, dos ritos e mitos, enfim, leitura da história e do mundo. Nos informes de orelha, vejo que virá um outro livro como que para fechar um ciclo de interrogações e perplexidades em que a angústia existencial do homem tende a se fundir com os artefatos minerais e vegetais de variados matizes, esteticamente incorporados ao tumulto e à avalanche dos textos, intertextos e transtextos de que se vale a sua incontida e indomável escritura.

No seu vasto e vertiginoso poema, temos uma espécie única de enfrentamento com as diversas travessias do conhecimento e da cultura, tomados essencialmente nos limites de sua precariedade, ao mesmo tempo em que o abismo das coisas e a beleza do ser se projetam pela sintaxe agônica que organiza o pensamento e detona, por outro lado, a mirada crítica, a música caudalosa da vida e o espanto da estesia. As associações enunciadas, os jogos de palavras, a coreografia das citações, os nominativos e os topônimos, o cruzamento das artes, o bailado das ideias, o apelo a slogans, ditados, aforismos, máximas e outros discursos, outros registros, entre o cifrado e o coloquial, o elevado e o rasteiro, tudo se acumula numa estranha unidade de som e sentido, de ritmo e emoção, para que o eu poético possa extravasar, no reino mágico de sintagmas e vocábulos, sua surpreendente grandeza e seu renovado desamparo.

À T. S. Eliot, em “East Coker”, “Em meu princípio está meu fim {…} Em meu fim está meu princípio”, começa assim o seu poema Waldemar José Solha, “Perfeito desde o começo, ∕ ab ovo”, para assim arrematá-lo: “… ∕ chegando – agora – ao limite… de meus 5∕6 de laranjas ∕ mecânicas, ∕ bananas de dinamite, ∕ …sinto-me… Moisés… morrendo, ∕ no monte Nebo, ∕ …na época de Ramsés, ∕ vendo ao longe – no mesmo angustiante imbróglio do meu ∕ exílio – o 1∕6 que nos falta: ∕ a Canaã a que levar o povo, ∕ e a ordem que se ressalta: ∕ recomeçar. ∕ Ab ∕ ovo”.

Recomeçar, eis o único imperativo para existir! Quem me diz isto é Solha, na altura de seus 80 e tantos anos e num percurso de um poema gigantesco, dialógico, circular e aberto.

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