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Poeta, escritor e professor da UFPB. Membro da Academia Paraibana de Letras. E-mail: [email protected]

Herberto Sales e José Américo

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publicado em 20/07/2022 ás 07h00
atualizado em 19/07/2022 ás 20h05

 

Álvaro Lins insistia para que Herberto Sales se candidatasse à Academia Brasileira de Letras. Marques Rebelo, José Cândido de Carvalho e Aurélio Buarque de Holanda, também acadêmicos, não faziam por menos. Todos votariam nele, não importando o nome do concorrente (ou dos concorrentes), se houvesse.

Com tanta insistência de seus pares, o autor de Cascalho acabou se inscrevendo para uma vaga na Casa de Machado de Assis. Mais tarde, no entanto, desistiu, retirando a candidatura em prol de José Américo de Almeida, para atender a um apelo de outro amigo, desta feita, o escritor Ernani Sátyro, futuro confrade seu na Academia Brasiliense de Letras. Vou transcrever, aqui, a justificativa de Herberto Sales (foto), extraída de Subsidiário I: confissões & histórias.

“{…} Não ia competir com o autor do romance de onde saiu todo o movimento que veio a chamar-se Romance do Norte. Eu lera A bagaceira. Fiquei impressionado com o livro, que de alguma maneira me marcou. Depois dele vieram Rachel, José Lins, Jorge, Graciiano, Amando Fontes. Sabe-se que esses importantes autores ficaram de uma ou de outra forma ligados historicamente à Bagaceira, mesmo não tendo muito que ver com esse romance pioneiro. A bagaceira foi assim como um primeiro tiro, para me valer de uma comparação que se ajuste à repercussão impactual do livro em todo país. Houve realmente depois dele uma tomada de posição, com romancistas do Norte saindo do Brasil e pelo mundo afora com os seus romances escorrendo Brasil. Isto me levou a não competir com José Américo. Cascalho era um pouco filho da Bagaceira. Não competi. Retirei a minha candidatura. Não era um problema perder eleição. Era o dever de formar nas alas da imbatível candidatura para ver passar em triunfo o romancista triunfal. Não o político. Eu nada tinha que ver com o político. Mas reverenciava o escritor”.

Quem é paraibano e ama a literatura só pode vibrar com estas palavras. A dignidade do escritor baiano mexe, com certeza, com o orgulho do leitor paraibano, pois o elogio e o reconhecimento de José Américo não ultrapassa o que, de fato, interessa no plano literário, isto é, o valor estético da obra. De outra parte, que exemplo de atitude intelectual! As novas gerações de escritores teriam muito a aprender com a vivência dos mestres do passado.

A bagaceira me parece um desses romances seminais, ponte que separa dois tempos narrativos e inaugura uma nova tradição ou uma tradição nova, como queiram. Romance único, singular, isolado, porém, de enorme força propulsora no movimento constante do fluxo romanesco.

A propósito, ocorrem-me à lembrança alguns romances também únicos e, em certo sentido, ligados aos sinais telúricos que cintilam na prosa de José Américo de Almeida. Do próprio Herberto Sales, penso em Além dos marimbus, obra de cabeceira de Guimarães Rosa, ao lado de O louco do Cati, de Dionélyo Machado. O coronel e o lombisomem, de José Cândido de Carvalho; O tronco, de Bernardo Élis, e O chapadão do bugre, de Mário Palmério. Todos, romances de peso, quer nos limites da fabulação, quer na moldura da trama e pela assinatura estilística. Será que os leitores de hoje, navegadores de um mundo virtual, os conhecem?

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