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O esgrimista israelense Dan Alon nunca vai esquecer aquele 5 de setembro de 1972. Ele dormia na Vila Olímpica dos Jogos de Munique quando foi acordado no meio da madrugada. Terroristas palestinos haviam invadido os alojamentos da delegação de Israel, assassinado dois treinadores e feito nove atletas reféns. Alon e mais seis sobreviventes escaparam. Mas os nove reféns morreram. A pouco mais de um mês da abertura, os Jogos de Londres conhecem sua primeira polêmica. O Comitê Olímpico Internacional (COI), apesar dos pedidos das famílias das vítimas, se nega a lembrar a tragédia na cerimônia de abertura.
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Hoje, quatro décadas depois do evento que abalou as Olimpíadas, viúvas e órfãos pedem ao COI que a morte dos atletas seja lembrada na cerimônia de abertura com um minuto de silêncio. Um abaixo-assinado online já coletou quase 80 mil assinaturas. Um dos organizadores é o líder comunitário americano David Kirschtel, criador do site “Munich 11”, com a biografia das vítimas do ataque.
— Quando uma tragédia dessas acontece, é preciso lembrá-la e relembrá-la, para que não se repita. O perigo está no esquecimento — diz Kirschtel .
O governo de Israel também decidiu entrar no assunto enviando uma carta ao COI. Mas, em resposta ao vice-chanceler israelense, Danny Ayalon, o presidente do COI, Jacques Rogge, negou o pedido, alegando que já foram realizadas cerimônias em lembrança dos atletas “várias vezes”. Rogge afirmou que “as vítimas do terrível massacre de Munique, em 1972, nunca serão esquecidas pela família olímpica”.
— Há 40 anos lutamos para uma lembrança do atentado durante as Olimpíadas — reclama Ilana Romano, viúva do pugilista Yossef Romano. — Já ouvimos diversas desculpas: que não está no protocolo, que é um assunto político demais, que “não chegou a hora”. Mas quando a hora chegará? — pergunta Ilana, que doou pertences do marido para uma exposição sobre os 40 anos do atentado, em Tel Aviv.
As imagens, sons e lembranças da tragédia conhecida como Massacre de Munique, tida como o primeiro grande atentado terrorista da modernidade, perseguem o sobrevivente Dan Alon há 40 anos.
— É um trauma que vou carregar por toda a vida — disse Alon ao GLOBO. — Até hoje sofro com paranóias. Não posso viajar para nenhum lugar sem me sentir inseguro. No exterior, troco de hotel sempre que identifico hóspedes suspeitos. Estou sempre em alerta.
Todos os reféns — além de cinco dos oito terroristas e um policial alemão — pereceram na desastrada e amadora tentativa de resgate da polícia alemã, transmitida ao vivo por centenas de canais de TV e de rádio internacionais. Os Jogos Olímpicos nunca mais foram os mesmos. Hoje, milhões de dólares são gastos em segurança. Para Alon, no entanto, o que o salvou em 1972 foi “a mão do destino”. Só assim ele explica porque os terroristas ignoraram a casa onde ele dormia, invadindo apenas os alojamentos adjacentes.
— Minha teoria é que os terroristas pediram aos treinadores, os primeiros capturados, que os levassem ao resto da delegação e eles deliberadamente os levaram aos quartos dos levantadores de peso, mais fortes, que poderiam reagir. No meu alojamento só havia esgrimistas e atiradores magrinhos — analisa.
O cunho político do atentado, que envolve o conflito sem fim entre israelenses e palestinos, é considerado o motivo principal da hesitação do COI em lembrar o evento no contexto das Olimpíadas. Nos Jogos de Pequim, em 2008, Jacques Rogge compareceu a uma cerimônia privada em lembrança dos 11 atletas israelenses no Hotel Hilton. O secretário-geral do Comitê Olímpico de Israel, Efraim Zinger, confirmou que um evento semelhante acontecerá em Londres. Mas isso não parece ser suficiente para as famílias.
— Meu marido morreu na Vila Olímpica, como atleta olímpico, não importa de que nacionalidade ou religião. O atentado deve ser lembrado no contexto olímpico. É uma dívida moral do COI — diz Ilana Romano.
Como foi o atentadoEra madrugada do dia 5 de setembro de 1972. A delegação israelense acabara de voltar à Vila Olímpica depois de assistir ao musical “Um violinista no telhado”, que estava em cartaz na cidade. Por volta das 4h, membros do grupo palestino Setembro Negro, munidos de rifles Kalashnikov e granadas de mão, invadiram os alojamentos dos israelenses, mataram dois treinadores e fizeram mais nove atletas como reféns. Eles pediam, em troca, a libertação de 234 presos palestinos em Israel. Depois de 24 horas de tensão e tentativas de negociação, transmitidas ao vivo por TVs do mundo todo através da novíssima tecnologia via satélite, o resultado foi trágico: 11 israelenses, cinco terroristas e um policial alemão mortos.
O ataque começou de madrugada, quando oito terroristas invadiram uma das três casas de dois andares que alojavam os israelenses, na Rua Connolly, bem próximo aos alojamentos dos atletas do Uruguai. Mascarados, eles mataram imediatamente o treinador de luta livre Moshe “Moony” Weinberg. Em seguida, foi a vez do levantador de pesos Yossef Romano, que tentou reagir. Depois de amarrar as mãos e os pés dos sobreviventes, os terroristas foram até a casa número 3 para buscaram mais reféns, ignorando — por motivos nunca explicados — a casa número 2.
Depois de horas de negociação, os terroristas exigiram que um Boeing 727 fosse colocado à disposição para fuga. Dois helicópteros levaram os oito terroristas e os nove reféns israelenses até uma base aérea da OTAN na cidade de Fürstenfeldbruck. Foi aí que a situação desandou: cinco policiais alemães pouco treinados abriram fogo contra os terroristas, enquanto outros seis guardas, que dariam cobertura, abandonaram o local sem avisar a seus comandantes. No tiroteiro que se seguiu, morreram todos os reféns israelenses: os levantadores de peso Zeev Friedman e David Berger, os pugilistas Eliezer Halfin e Mark slavin, os juízes Yaakov Springer (levantamento de pesos) e Yossef Gutfreund (pugilismo) e os treinadores Kehat Schorr (tiro ao alvo), Andre Spitzer (esgrima) e Amitzur Shapira (atletismo).
Os Jogos Olímpicos foram suspensos, mas as provas foram retomadas algumas horas depois, para irritação do governo de Israel. Nos sete anos seguintes, espiões do Mossad, o serviço secreto israelense, caçaram e mataram mais de uma dúzia de suspeitos de envolvimento no atentado, apesar de o governo nunca ter admitido oficialmente a ação, retratada no filme “Munique”, de Steven Spielberg.
O Globo
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