João Pessoa, 28 de julho de 2022 | --ºC / --ºC Dólar - Euro
Aos sessenta anos vivemos o presente, mas parece que o passado está mais vivo do que nunca. Nesse contexto estaciona-se no tempo para poder sentir em profundidade o legado que ele nos deixou. Participamos do grupo Lourdinas 63, assim chamado por ser constituído de mulheres que estudaram no Colégio N. S. de Lourdes. Tem sido muito prazeroso nosso convívio virtual. Hoje, com a distância de 59 anos, estamos mais próximas do que no passado. E por que falar de criança?
No grupo percebe-se que não só relembramos os fatos do colégio em que vivemos juntas, mas vem à tona tudo que nos ocorreu naqueles tempos como os que se dão no momento atual. É o “locus” de desabafos, de dividir e compartilhar sofrimentos. As companheiras nos escutam, nos compreendem e dão conselhos. O que é confortante. O grupo converte-se em um fulcro de recordações, informações, solidariedade, apoio e força para que nos elevemos e deixemos de lado as depressões e tudo que nos oprime. Somos impulsionadas para o otimismo e coisas boas que ainda nessa idade estamos a desfrutar da vida. Isto tudo é dito de forma ilustrativa com mensagens, palavras, músicas, filmes e exemplos que às vezes são frutos de suas próprias experiências. É o dia a dia de cada uma de nós.
Na nossa interação ultimamente surgiu um fato que chamou muito atenção e fez-nos voltar no tempo, que já vai longe. E queremos compartilhar com vocês parte dessa etapa de muita importância. Germana, nossa colega que mora na Alemanha, colocou a postagem do filme “O Gordo e o Magro”, dos protagonistas Stanley & Oliver, dupla que tanto alegrou nossas vidas. Este filme era um dos permitidos a crianças para que assistíssemos, além da Paixão de Cristo e as comédias de Oscarito, Cantinflas e Grande Otelo.
O que nos fazia felizes! Tonava-se interessante quando, ao lado do nosso irmão Gumercindo, íamos ao cinema com a babá assistir “O Gordo e o Magro”. Chegávamos em casa alegres, rindo e contando as peripécias que víamos no filme. No caso da Paixão de Cristo, ao contrário, adentrávamos aos urros, chorando, comovidos, inconformados com o sofrimento de Jesus e as injustiças a Ele cometidas. Isto aos 7 e 8 anos.
Nossos pais eram católicos, não dos fervorosos, mas de práticas religiosas que eram imprescindíveis, como: rezar o Santo Anjo na hora de dormir; participar das cerimônias da Semana Santa: acompanhar a procissão do Senhor Morto; assistir à missa da meia noite, no dia 31 rompendo o Ano Novo, celebrada por Monsenhor Almeida, amigo da família, na Igreja de Lourdes; rezar a trezena de Santo Antônio, quando era erguido um altar na sala de nossa casa, e mamãe convidava os vizinhos e amigos para rezar as 13 noites. O último dia era encerrado com comes e bebes para todos. Nossos pais não eram de ir regulamente à missa aos domingos, mas colaboravam com Padre José Coutinho, Casa da Vovozinha e outras instituições de caridade. Nos últimos anos, nossa mãe rezava muito perante o santuário existente no seu quarto de dormir. Foi nesse ambiente doméstico que fomos educados, recebendo lições e exemplos que marcaram nossa formação construindo o que somos, fruto do zelo de pais comprometidos com sua função.
Os eventos e acontecimentos serviam para nos educar e disciplinar modos de comportamento que acreditavam ser o certo e o errado. Procedimentos didáticos realizados de forma empírica e impulsiva pois Dona Elza teve formação escolar só até a quinta série. Era extremamente zelosa no lar e na educação doméstica que lhe cabia. Lia muito, fazia palavras cruzadas das mais difíceis. Quando um de nós adoecia consultava o livro a “Vida do Bebê”, de Rinaldo Delamare, pois os primeiros cuidados eram seus e em seguida do pediatra Dr. João Soares, que se tornou amigo da família. Nosso pai, Serafim, engenheiro civil, por sua vez fazia o contraponto na educação, tratava do mundo cultural e do trabalho. Esteve sempre presente no ambiente do lar e nas festividades, das quais registro em especial a atenção em nos ajudar a soltar fogos na frente de casa junto à fogueira de São João. Eram tantos que chamávamos as crianças da vizinhança para participar das brincadeiras já que os fogos davam para todos ao ponto de sobrarem para o São Pedro. O mesmo acontecia com as pescarias em que nos levava de barco para o fundo do mar e ensinávamos a pescar. Hoje, avaliamos que foram sábios e se completavam.
A criança de antigamente era para seus pais uma relíquia que devia ser preservada e cuidada. Como diz Lya Luft “Quem ama cuida”. Isto acontecia desde recém nascida e todo o seu desenvolvimento, acompanhando com o olhar vigilante e cuidadoso cada etapa com suas características e peculiaridades, passando da fase de infância, e puberdade até atingir a idade adulta. Estudiosos, Goulart (2002), Quinteiro (2005), entre outros, se debruçaram para demonstrarem a importância dessa fase na vida de cada um. A criança de hoje é o adulto do amanhã. Necessariamente ela terá que passar por um processo de aprendizagem por pessoas que as ensine. O homem não nasce sabendo.
Vê-se que as mães de antigamente, sem terem estudos pediátricos e psicológicos, como as atuais, cuidavam e orientavam seus filhos conforme seus impulsos maternos, lições e ensinamentos aprendidos e recebidos dos ancestrais. O que se observa? Que em sua maioria, ao chegar à idade adulta tornaram-se pessoas ajustadas, centradas e responsáveis pelos seus atos, resolutivas e seguras, fruto da construção de sua formação, a exemplo das do grupo Lourdinas 1963, onde cada uma seguiu seu caminho de acordo com o que o destino lhe reservou. Trilhas diferentes, mas todas constituíram família, estão realizadas, notabilizaram-se como mulheres valorosas, vitoriosas, esposas, mães e profissionais comprometidas e competentes. Agradecemos a Germana por trazer essa postagem. Despertou-nos a vontade de retornar no tempo que não volta mais, sermos crianças; A Lucinha por nos incluir no grupo e a Ana Maria pelo convite. Pode-se dizer: a educação recebida deu certo. E o que acontece na contemporaneidade, com a ciência e a tecnologia em favor das crianças? Apresentam-se com traumas? Depressões, nervosas, ansiosas e etc.? Alguma coisa está errada. Não sabemos apontar o erro.
“Queria voltar a ser criança, porque os joelhos ralados curam bem mais rápido que os corações partidos”. ( Clarice Líspector )
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TURISMO - 19/12/2024