João Pessoa, 03 de agosto de 2022 | --ºC / --ºC Dólar - Euro
Diz a repórter da TV Universitária que a matéria é sobre a cidade de João Pessoa, espécie de homenagem pela passagem de seus anos. Quer me ouvir, a mim, que não sou da capital, mas filho das pedras selvagens do Cariri, acerca de minhas relações com a velha cidade. Como eu a vejo, quais os espaços preferidos, qual o ponto geográfico com que eu me identifico mais, onde se localizam seus enigmas, abismos, belezas, e assim por diante.
Ora, digo-lhe, lembrando-me do poeta norte-americano E. E. Cummings, que não posso descrevê-la, mas posso senti-la. E a João Pessoa que sinto, e sinto há tanto tempo, não é aquela que se distende pelo azul destemido e aberto das praias de Tambaú e Cabo Branco, por mais belas e aprazíveis que sejam. Não, não é seu litoral, seus arrecifes, seus barcos e seus búzios, por onde ecoa a aquática melodia dos portos distantes, que cultivo na clareira de meu coração.
Essa João Pessoa marinha, com suas brisas suaves e crepúsculos melancólicos, de fato, não me pertence nem me atrai, em que pese o encanto dessa geografia singular que se deixa habitar pelos raios do sol nas agudas manhãs de verão ou pela dolência cadenciada da noite que se aproxima. Não: esta João Pessoa palpita na veia dos poemas de Lúcio Lins e de Eulajose Dias de Araújo, num daqueles encontros entre acontecimento e linguagem propulsor das mais lídimas formas estéticas.
A minha João Pessoa, caríssima repórter, é aquela de seus começos históricos, de origem informe e anfíbia; aquela que sobe do rio Sanhauá, ali bem próxima à Ilha do Bispo e do antigo Porto do Capim, alonga-se pelas vielas do Varadouro, culminando no Largo da Igreja de São Francisco, enquadrada, por sua vez, nos diâmetros silenciosos dos janelões da Academia Paraibana de Letras.
Esta, sim, me comove no latejar intangível do passado que se cristaliza na memória afetiva e intelectual. Vagando pelas ruas desertas, observando seus casarões cicatrizados pelo tempo, seus logradouros seculares, suas praças e seus monumentos, como que sinto os odores mais característicos da cidade, odores misturados com a ancestralidade dos ventos que ecoam nas esquinas ausentes, nas largas calçadas do lirismo e da recordação.
Trata-se de uma cidade mais de dentro a regar a imaginação e a sensibilidade em torno de um ponto quase fixo que me toca profundamente. É isto, cara repórter. É esse pequenino e complexo histórico e arquitetônico, que vai da vetusta Faculdade de Direito ao Bar da Pólvora, do Pavilhão do Chá ao Hotel Globo, da Lagoa ao rio Sanhauá, que me atrai e me move o sentimento de empatia paisagística e me faz amar, cada vez mais, essa cidade que me abrigou, como uma segunda mãe, desde os idos da juventude.
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TURISMO - 19/12/2024