João Pessoa, 12 de agosto de 2022 | --ºC / --ºC Dólar - Euro
Sempre que elaboro um plano mirabolante ou arrojado, penso que a concretização dele não teria tanta graça, porque nunca me renderia uma entrevista no sofá do Jô. Não poderei provar o que tinha em sua caneca, nem ser impedida de concluir um raciocínio, ouvindo “sem querer te interromper, mas já te interrompendo”. Ainda adolescente, madrugada adentro, acompanhava o Programa do Jô e ficava encantada, tanto pelos feitos relatados por alguns convidados quanto pela habilidade de Jô para extrair boas histórias dos mais comuns entrevistados.
Jô Soares teve uma infância abastada, entre as piscinas do Copacabana Palace, porque sua árvore genealógica é composta por um pai empresário. Seu pai, inclusive, tinha um pé na Paraíba, mas o mundo inteiro ainda seria pequeno para Jô. Estudou na Suíça e foi aprovado em Cambridge; voltou para o Brasil quando o pai faliu. Poliglota antes de atingir a maioridade, desejava utilizar sua erudição fazendo carreira no Itamaraty, mas acabou agindo de forma diplomática como humorista, escritor, diretor, músico e apresentador. Jô tocou bongô na banda de Elis Regina, protagonizou monólogos, mandou o Batista calar a boca inúmeras vezes e utilizou o humor para falar de coisa séria.
Nos seus romances, assassinou figuras por quem tinha apreço: intelectuais, em Assassinato na Academia Brasileira de Letras, e gordos, em As Esganadas. Minha porta de entrada nos livros de Jô foi por As Esganadas, que traz doces como armadilhas para matar mulheres obesas. Fui tomada pela curiosidade acerca das múltiplas referências históricas e culturais que costuram a narrativa – já que o lado policial não é tão misterioso assim. Um a um, descobri que seus livros são tão despretensiosos quanto deliciosos. O único espaço pequeno que Jô ocupou foi entre os escritores nacionais, mas seus livros são ótimos pontos de partida para aqueles que ainda precisam descobrir o gosto pela leitura.
É robusta a influência de Jô Soares sobre a minha formação e sinto muito por seu falecimento. No teatro, uma das peças escritas e interpretadas por Jô era a intitulada Ame um gordo antes que acabe. Ora, um gordo daqueles, gigante em talento e elegância, não se acaba nunca. Onde quer que esteja, é nutrido a cada gargalhada.
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OPINIÃO - 22/11/2024