João Pessoa, 17 de agosto de 2022 | --ºC / --ºC Dólar - Euro
Orgulho-me em ver o autor paraibano reconhecido pela crítica literária nacional, sobretudo quando esta crítica é exercida com rigor e competência, distanciada também das circunstâncias provincianas, com seus limites e mal entendidos, entre os quais se destacam o compadrio caviloso, a inveja doentia e o ressentimento dos medíocres e dos frustrados.
Quem conhece Wilson Martins sabe do serviço que prestou à literatura brasileira em obras monumentais, atentas à dimensão histórica do fato literário e, sem concessões ocasionais, à qualidade estética dos textos em suas variadas possibilidades de gênero, técnica, forma, conteúdo e estilo.
Tenho lido sistematicamente seus Pontos de vista, coleção em 15 volumes, publicada em São Paulo por T. A. Queiroz Editor, 1991-1997, que reúne sua colaboração periódica na imprensa, desde 1954 até 1994, num total, portanto, de 30 anos de militância crítica. Nem é preciso dizer que se trata de obra indispensável, quer pelo valor histórico, quer pelo valor crítico e exegético, para todos aqueles que pretendem conhecer o movimento editorial e literário brasileiro ao longo do tempo.
Pois bem: aqui e ali, deparo-me com algum escritor paraibano a merecer esse ou aquele registro crítico por parte do autor de História da inteligência brasileira. Urge esclarecer, de saída, que o autor paraibano, aqui referido, não é aquele que consolidou seu nome na história literária e que já é reconhecido nas esferas extraprovincianas, a exemplo, entre outros, de um Augusto dos Anjos, um José Américo de Almeida, um José Lins do Rêgo e um Ariano Suassuna. Penso em autores que, a despeito do mérito artístico de sua dicção, ficaram conhecidos apenas por aqui mesmo, sem maiores ressonâncias lá fora, em função, é evidente, de uma série de fatores culturais que não me compete discutir agora.
É nesta perspectiva que vejo o nome do poeta Marcos Tavares, à página 269 do volume 10 dos Pontos de vista, em pequeno, porém justo e pertinente comentário de Wilson Martins acerca do poema Memorial, vencedor do Concurso de Poesia Augusto dos Anjos, realizado pela Fundação Cultural do Estado da Paraíba – FUNCEP, em 1978, e inserido, juntamente com os poemas dos outros concorrentes, no volume Liga poética, publicado pela Editora Universitária-UFPB, em 1980.
A partir de um cotejo com a poesia do paraibano∕maranhense José Chagas e explorando a significação do passado, presente na lírica de um e do outro, o crítico ressalta que o Memorial “apresenta-se como texto de grande beleza, nas mesmas linhas de espontânea integração na realidade e excelente instrumento poético”. Ao que acrescenta, como fecho do raciocínio e do paralelo entre os dois poetas: “A questão de perspectiva, no caso de José Chagas, tem no passado os pontos de fuga; no de Marcos Tavares, eles estão no futuro, mas a coincidência na natureza profunda das suas aspirações bem pode indicar o aparecimento de uma nova idade em nossa poesia contemporânea”.
Não sei se Marcos Tavares chegou a conhecer este juízo crítico, em tudo louvável e certeiro, vindo de uma das vozes mais isentas, em âmbito heurístico, da crítica literária brasileira. O que sei, e isto me parece de indiscutível relevância, é que o poeta do Ingá teve, em momento oportuno e em obra de referência valiosa, um leitor qualificado e tão somente preocupado com os aspectos intrínsecos do texto lírico, com os valores que enformam a substância e a forma da expressão.
Marcos Tavares concorreu, àquela época, com Lenilde Lima de Freitas, Águia Mendes e Arland de Souza Lopes, poetas de presença marcante na cena cultural do estado. Seu poema apresenta-se em 4 partes (“De um álbum de família”, “Descobrindo a cidade”, “Sete boleros cardíacos” e “No Estado Novo”), e exprime bem o elemento estilístico que lhe é peculiar, ou seja, a comunicação espontânea e o poder de comoção, que o vai caracterizar como um dos mais bem realizados poetas da Paraíba, principalmente se levarmos em conta a naturalidade de seu ritmo poético envolvido em fina ironia e em genuíno lirismo.
Wilson Martins não chega a citar seus versos como o faz com os versos de José Chagas, embora devesse ter feito. A “espontânea integração na realidade” e o “excelente instrumento poético”, por ele salientados, com argúcia e correção, poderiam muito bem ser provados com estes primeiros versos de “Álbum de família”: “Meus mortos estão sentados ∕ todos, para uma fotografia. ∕∕ Parados, esperam ∕ o clic que lhes rompa a vida; ∕ parados, antecipam a morte. ∕∕ Vestidos de domingo olham ∕ distante, um passarinho. ∕ ∕ O agave em close ∕ no primeiro plano. ∕ Meu avô desfoca-se ∕ entre a mataria. ∕∕ Assim foi toda a vida ∕ – como está na fotografia”.
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TURISMO - 19/12/2024