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Francisco Leite Duarte é Advogado tributarista, Auditor-fiscal da Receita Federal (aposentado), Professor de Direito Tributário e Administrativo na Universidade Estadual da Paraíba, Mestre em Direito econômico, Doutor em direitos humanos e desenvolvimento e Escritor. Foi Prêmio estadual de educação fiscal ( 2019) e Prêmio Nacional de educação fiscal em 2016 e 2019. Tem várias publicações no Direito Tributário, com destaque para o seu Direito Tributário: Teoria e prática (Revista dos tribunais, já na 4 edição). Na Literatura publicou dois romances “A vovó é louca” e “O Pequeno Davi”. Publicou, igualmente, uma coletânea de contos chamada “Crimes de agosto”, um livro de memórias ( “Os longos olhos da espera”), e dois livros de crônicas: “Nos tempos do capitão” …

O tempo da escrita

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publicado em 26/08/2022 às 07h00
atualizado em 25/08/2022 às 17h23

Acho que não há tempo bom para se escrever. Nem para aqueles que fazem da escrita uma profissão. Escrever não combina com tempo, dele não necessita, nem depende. A recíproca é verdadeira. O tempo, para manter a reciprocidade própria das coisas que não se combinam, fia-se na esperança de que alguma escrita miraculosa surja nos escaninhos dos seus minutos. Pode até ocorrer, mas tempo e escrita são misturas heterogêneas.

Escrever é ação completamente fora dos eixos temporais. São realidades que estão em dimensões diferentes. Se o viver das experiências lúdicas da escrita não estiver de prontidão, o rabiscar de um simples traço na areia pode demorar anos, enquanto uma poesia, das mais belas, pode fazer brotar os seus encantos em um átimo de tempo, ainda não mensurável pela objetividade das coisas que não se encontram. Doutra feita, há escritos infindos, sem tempo de espera ou de demora.

Não falo do ato de traduzir, no papel, na tela do computador, na madeira, em um suporte físico qualquer, a expressão da arte que se produz. Isso, sim, está preso nas teias inegociáveis da temporalidade. Falo do que é subjacência: a composição que se faz objeto na mente do pintor; a métrica que vai se escorregando nos devaneios do poeta; a trama ostensiva e profunda que se embaralha na construção de um romance; as notas que saltitam, em combinação harmônica, no dedilhar de um musicista; a percepção de um elemento do cotidiano que penetra as observações do cronista; a forma de uma peça de escultura que, antes da existência, organiza-se nos sonhos do escultor…

Tudo isso, posto imponderável, não tem preço, nem tempo. São dimensões que não se encontram, muito embora seres do mercado, por razões ligadas a dinheiro, queiram medir e contar, sujar e gerenciar, controlar e comandar, e o pior: exigir dos escritores que, acabrunhados, submetam-se à lógica perversa dos relógios e de seus ponteiros ordinários, pobres coitados, com suas máquinas moedeiras dos mistérios e das fantasias.

@professorchicoleite

* Os textos dos colunistas e blogueiros não refletem, necessariamente, a opinião do Portal MaisPB

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