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É próprio da mulher trazer predisposições inatas, como o sentimento da maternidade, que exprime relações biológicas consanguíneas e afetivas, cujos laços ligam a mãe ao filho. Implica numa experiência pessoal de dar à luz a um ser protagonizado semelhante com características próprias, sem, no entanto, negar a sua hereditariedade genética. É único. A maternidade é imbuída de um espírito de amor, alegria, paz, paciência, amabilidade, bondade e fidelidade. Isto de forma instintiva, imbricada à mulher mãe. Como todo fenômeno humano, em cada época assume um significado que está condicionado às determinantes do mundo moderno.
No planejamento familiar a hipótese de ter filho poderá existir ou não. Na hodiernidade, há prioridades estabelecidas antes dessa função que antigamente convertia-se numa condição imprescindível para um casal. Na contemporaneidade existe uma lista que impõe circunstâncias que o antecedem: ter uma profissão, fazer carreira, haver condições ideais, viajar, o laser etc. Nessa direção o escritor e mitólogo Joseph Campbell (1985 – 1986), diz: “a mulher afastou-se da terra, desconectou-se da própria natureza e passou a andar longe de sua essência. Para as sociedades primitivas, a mulher dá à luz assim como a terra faz brotar as plantas”.
O dar à luz revela uma expressão criada para significar o ato do nascer do ser humano que vem carregado de sentimento, lirismo e simbolismo de que o ser nascente é portador. Esteve na escuridão do útero, mas, no momento do nascimento, volta-se para a luz do mundo, isto dando o sentido sublime que envolve a maternidade e estabelece a nítida diferença no processo de humanização. O que torna o homem diferente de todos os serem vivos. Muito se tinha a falar sobre fenômeno tão complexo e divino que é a maternidade, e a sua construção social/cultural ao longo do tempo que suscita discussão sobre as demandas das novas configurações e modelos familiares. Fiz alusão para dizer da importância desse nobre papel da mulher, insubstituível, que só a ela compete, o de ser mãe.
Estava a conversar com Bruno, ex-aluno, na antessala da concessionária enquanto esperava o carro que deveria sair da revisão. Perguntei-lhe sobre Agnelly, prima e colega de turma, que eu sabia serem muito amigos, quando me relatou. Em princípio morou aqui em Joao Pessoa, fez concurso na Justiça Federal, era bem estabelecida. Casou-se com um rapaz que é professor estadual e estava pretendendo submeter-se a outro concurso. Já aos cinco anos de casamento, Agnelly sonhava ter um filho. Realizou vários exames e indicaram ser portadora de uma anomalia que impedia a concepção.
Diante da situação, o casal, após intenso processo de reflexão, amadureceu a ideia de adotar uma criança. Para isto, obedeceu a todo o processo legal de adoção. A criança, um menino, encheu a casa e a família de felicidade e alegria. Tudo ia correndo muito bem, quando aos nove meses apareceram sintomas diferentes o que levava a crer tratar-se de uma criança especial. Levada ao médico foi identificada uma paralisia cerebral. Isto não foi motivo de desvanecer e arrepender-se da deliberação de tê-lo adotado, pelo contrário, o sentimento de amor aprofundou-se e Agnelly decidiu tomar atitude radical que mudaria sua vida. Não podendo conciliar seu emprego com a assistência que deveria dispensar à Marcelo, pediu demissão do órgão federal onde trabalhava no qual ingressara por concurso, e passou a dar assistência integral requerida pelo filho. Eu perguntei: Por que ela não paga uma pessoa para ficar com ele? Bruno falou que o mesmo questionamento fez a Agnelly que o retrucou, dizendo: “Mesmo se pagasse uma pessoa, tenho certeza que jamais ninguém cuidaria e dedicaria o amor a Marcelo como eu dedico”. Ele não pôde acrescentar mais nada. Estava explicado.
O seu esposo, que vinha tentando aprovação em concurso público, passou para o Instituto Federal no Estado do Amazonas, o que fez mudarem de residência. A situação de Marcelo é essa: não anda e nem tem força muscular para levar a comida à boca. Tem total dependência. Como se não bastasse, quando ele estava com quatro anos decidem adotar outra criança, mas esse apresenta-se normal e saudável. Bruno acrescenta que esteve com eles em Manaus e ficou encantado com a família e pôde constatar o amor e dedicação do casal. Disse: “A casa e o ambiente respiram amor. O esposo de Agnelly é uma pessoa muito boa, um excelente pai amoroso. Bruno acrescenta que a prima acalenta um sonho que é ver Marcelo andar. Ela afirma: “Tenho fé em Deus que isto vai acontecer, eu acredito”. Essa crença alimenta a esperança e as ações que impulsionam a seguir em frente com tanto otimismo. E concluindo afirma: “Esta é a história, professora, de sua aluna”.
Nessa hora, chegou o mecânico para entregar o carro. Despedi-me de Bruno, mas seguiu comigo, no meu pensamento, a trajetória emocionante de vida de Agnelly deixando-me impactada. Como uma pessoa é tão forte e consegue superar todos seus sentimentos e sonhos e voltar-se para uma causa que surgiu no seu caminho, que não era esperada e foi abraçada com tanto desvelo e amor? Muitas mulheres não são mães biológicas, mas assumem o espírito da maternidade, como se assim fossem. Foi o que aconteceu com Agnelly. O amor sublimado dedicado àquela criança atinge o âmago de sua alma e a profundidade do seu ser.
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OPINIÃO - 22/11/2024