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Clara Velloso Borges é escritora, professora de literatura e mestranda em Estudos Literários pela Universidade Federal de Minas Gerais. E-mail: [email protected]  

O fim da espera

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publicado em 30/09/2022 às 07h00
atualizado em 29/09/2022 às 18h51

A espera não faz parte do DNA humano, porque o desejo vem acompanhado de um imediatismo. A gente sempre quer agora, muitas vezes tentando manipular as esperas irremediáveis. Quem nunca espiou as últimas páginas de um romance policial, ansioso para descobrir, enfim, quem é o assassino?

É fato que, hoje, quase não esperamos mais. As longas filas nos consultório de dentistas não são mais aplacadas por revistas velhas de fofoca, nem pela programação da Sessão da Tarde. Com um smartphone na mão, rolando a tela, o ócio foi suprimido. A ciência já vem apontando as consequências cognitivas de estar sempre conectado, mas há também resultados sociais. Estamos ainda mais impacientes, com dificuldade para nos concentrarmos continuamente em um texto longo, sem pausas para espiar o celular.

Com tamanho vício, é difícil conceber esperas longas, como a de Penélope. Por dez anos, esperou seu marido, Ulisses, voltar da Guerra de Troia. Penélope foi pressionada para casar novamente, mas fiel ao marido, preferiu esperá-lo, elaborando artimanhas para afastar os pretendentes. Foi uma espera árdua, já que sequer sabia se Ulisses estava vivo ou morto. Cansada, estabeleceu a condição de que casaria novamente quando terminasse de tecer um sudário. Passou todos os dias costurando – e as noites, desfazendo a costura.

O resultado de sua espera até que foi positivo, porque Ulisses, enfim, retornou ao encontro da amada. Entretanto, costumo pensar que a espera teria sido menos sofrida para Penélope se Hermes, o deus mensageiro, tivesse enviado um WhatsApp informando que Ulisses estava bem.

* Os textos dos colunistas e blogueiros não refletem, necessariamente, a opinião do Portal MaisPB