João Pessoa, 15 de outubro de 2022 | --ºC / --ºC Dólar - Euro
Professor há 45 anos, aposentei-me em julho deste ano. Na Universidade Federal da Paraíba foram 37 anos. Fui professor, na acepção da palavra, com ensino, pesquisa, extensão – continuo voluntariamente a ministrar um curso de extensão em Língua Latina – e só me afastei das minhas atividades, durante o mestrado, parte do doutorado e no período em que, durante três semestres, ministrei vários cursos, na graduação e na pós-graduação da Universidade de Paris X – Nanterre, experiência excelente para mim e para a UFPB.
Durante o meu percurso docente, ensinei o que não sabia, aprendi o que não sabia, passando a ensinar o que havia aprendido, e desaprendi o que estava cristalizado nos livros, para poder reaprender com a experiência adquirida. Não que os livros não sejam importantes, contudo, muito do que ali existe é mais do mesmo e está abaixo, muito abaixo da experiência adquirida em anos de diálogos com os alunos. Leitura é fundamental, sem sombra de dúvida, mas a releitura é de uma importância que muitos nem imaginam.
Tive erros e acertos, mas acredito, sem cabotinismo, que o saldo dos acertos foi positivo, dentre eles se encontra o fato de ter criado o curso de Letras Clássicas, formando professores de Língua Grega e Língua Latina, curso que repercutiu, reconhecido no Brasil inteiro e importantíssimo para a nossa região, com uma produção acima da média para quem tem apenas 9 anos.
Sou professor, essencialmente professor, por escolha, não por falta de opção, e realmente comprometido com o ensino, ao qual dediquei mais de dois terços da minha vida de 65 anos. Não sou educador, não sou escritor, sou Professor e isto me basta. Quando me chamam de educador, corrijo, prontamente – Professor. Quando me chamam de escritor, também reafirmo que sou Professor. Escrevo, sim, regularmente, tenho vários livros publicados, mas tudo como um efeito colateral bom e natural da minha profissão. O intuito de meus livros e de meus textos é a sala de aula, é a divulgação de um saber que, por pouco que seja, não quero vê-lo aprisionado comigo. Não consigo conceber o professor que não reflete sobre o que ensina, nem que não se preocupa em transmitir da melhor maneira o pouco que, a duras penas, aprendeu.
Se vejo como positivo o saldo que, formalmente, deixei, porque continuo a ser professor, mesmo aposentado, e sei que pude dar alguma contribuição na formação dos que passaram pelas minhas mãos – e foram muitos os graduados, os mestres e os doutores –, para as instituições o professor continua a ser a mesma figura que parece mendigar e parece estar sendo por elas favorecidos. De uma instituição governamental, o aplicativo SouGov, recebi um e-mail de 6 linhas. Na primeira, agradecia “os serviços prestados à administração pública”; nas demais, lembrava-me da necessidade de eu fazer anualmente a prova de vida, para que não ficar impedido de receber o meu salário…
Do Programa de Pós-Graduação em Letras, de que fui um dos docentes produtivos, por 26 anos, recebi um e-mail perguntando se podia encerrar a minha participação como professor, por causa da minha aposentadoria, para que o programa pudesse atualizar a sua situação junto aos órgãos de fomento…
No início da semana, recebi um convite de um colégio rico, na realidade uma instituição religiosa rica, com unidades em todo o Brasil, para dar uma palestra. Quando perguntei se ia ser pago, disseram que não. Obviamente, eu estava sendo favorecido pela instituição ao ser chamado honrosamente como palestrante.
São episódios desestimuladores que reafirmam a triste condição do nosso ensino, em que o professor está sempre vários passos atrás. Ainda que pintasse uma Capela Sistina por semana, não seria visto com a consideração que merece. Apesar de tudo, reafirmo que sou Professor, nunca pensei em ser nada além de Professor. Minha primeira imagem da profissão é ver-me com um quadro negro na cabeça, uma caixinha de giz, aos 12 anos, indo dar aula aos amigos da vizinhança. Isto me basta.
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