João Pessoa, 21 de outubro de 2022 | --ºC / --ºC Dólar - Euro
Quando acordei e vi o anúncio da escritora Annie Ernaux (foto) como vencedora do Prêmio Nobel, fiquei surpresa. Não pelo mérito literário, mas por conhecer a autora. Há décadas, o Nobel é destinado para escritores de talento, mas discretos em termos de projeção internacional. Louise Gluck e Patrick Modiano, por exemplo, foram autores cujo nome só ouvi após a premiação. Annie Ernaux é conhecida, foi publicada no Brasil e já tinha confirmado até presença na próxima Festa Literária Internacional de Paraty (FLIP).
Ernaux parte da própria aldeia para falar sobre o mundo. Sua obra de maior destaque, O Lugar, é sobre o lugar social que vê seu pai ocupar. Em livros enxutos, revisita a história da própria família. Vai além da classificação tradicional da biografia por causa do valor estético, mas o título de Nobel de Literatura para a autora pode ser lido como uma recusa à ficção e à poesia. Afinal, em um mundo com Anne Carson e Maryse Condé, que transitam mais entre gêneros tradicionais, por que escolher alguém cujo talento é inegável, mas que desvia um pouco da literatura?
Não é a primeira vez que isso acontece. Svetlana Alekseivitch é jornalista e levou o Nobel de Literatura. O cantor Bob Dylan também já arrematou o prêmio mais importante do mundo das letras. Nota-se, portanto, uma corrente na contramão da imaginação, que deixa de reconhecer poesia e ficção em prosa como as únicas formas possíveis de fazer literatura.
É um bom momento para lembrar que em 1981, Gabriel García Márquez teve um texto rejeitado pela revista americana The New Yorker. No ano seguinte, venceu o Nobel. Quando as revistas negavam o realismo mágico, o Nobel lhe conferiu prestígio. Como o Nobel tem negado prestígio à ficção, cabe ao leitor lhe devolver a autoridade a cada livro aberto.
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OPINIÃO - 22/11/2024