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Jornalista paraibano, sertanejo que migrou para a capital em 1975. Começou a carreira  no final da década de 70 escrevendo no Jornal O Norte, depois O Momento e Correio da Paraíba. Trabalha da redação de comunicação do TJPB e mantém uma coluna aos domingos no jornal A União. Vive cercado de livros, filmes e discos. É casado com a chef Francis Córdula e pai de Vítor. E-mail: [email protected]

Seu doido e dona doida

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publicado em 22/10/2022 às 08h30
atualizado em 22/10/2022 às 06h34

“Uma vez, quando eu era menina, choveu grosso com trovoadas e clarões, exatamente como chove agora”.

Não chove agora,  dona Adélia Prado mas quando era garoto, minha mãe me mandava ir buscar o leite na casa de Dona Maria Bala e cuspia no chão. Ai de mim, se eu demorasse…

“Quando se pôde abrir as janelas, as poças tremiam com os últimos pingos. Minha mãe, como quem sabe que vai escrever um poema, decidiu inspirada: chuchu novinho, angu, molho de ovos”.

Quando era menino, dona doida, eu comia doce de ovos, que minha mãe fazia. Às vezes, um caldo com pimentão e ovos dentro e eu sentia náuseas, mas nunca  vi um “molho de ovos”

“Fui buscar os chuchus e estou voltando agora, trinta anos depois. Não encontrei minha mãe.”, disse Adélia Prado.

30 anos depois a dissecar mapas e passadas, a perseguir detalhes e signos, num acerto que se mistura ao amparo do desamparo, com o desejo de arrastar o mundo na voz, mas a minha voz ficou com minha mãe e hoje, eu canto sozinho, dona doida.

“A mulher que me abriu a porta riu de dona tão velha, com sombrinha infantil e coxas à mostra. Meus filhos me repudiaram envergonhados, meu marido ficou triste até a morte, eu fiquei doida no encalço. Só melhoro quando chove”.

Quantas vezes fui chamado de doido pelos conservadores e segui  a batucar nas (i)medições mundiais sobre a geologia das cabeças pensantes, seguindo faróis outros, escutando conchas, nunca vozes.

Adélia Prado traz a chuva ou a descrição mais delicada de trovoadas e outros sentimentos, que não submergem a nada.

“Para mim, o eu lírico sofre de Alzheimer. Vive internada em uma clínica ou asilo. É viúva e seus filhos não quiseram cuidar dela. Quando chove, ela revive um momento importante: quando sua mãe lhe pediu para buscar chuchus frescos. Idosa, comporta-se como criança, saindo para buscar os chuchus. Quando volta, um tempo curto de lucidez:? Eu fiquei doida?.”

Nos anos 80, a atriz Fernanda Montenegro trouxe para o teatro Paulo Pontes, o monologo “Dona doida”, da obra de Adélia Prado. Sai de lá tendo surtos de lucidez. Será que fiquei doido, dona doida?

Ontem lavei meu rosto numa bacia de bordas altas,  e enxuguei com uma bandeira de uma nação naufragada. Fiquei doido, dona doida?

Kapetadas

1 – Não é por nada não, é por tudo: obrigado Dona Jória G pelo  show de Caetano Veloso ontem no Teatro Gurarapes.

2 – Eu vejo metrô onde não trem.

3 – Som na caixa: “ A chuva ajuda a gente a se ver”, CV

* Os textos dos colunistas e blogueiros não refletem, necessariamente, a opinião do Portal MaisPB