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TRÁFICO

Justiça proíbe agências de enviar modelos ao exterior

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publicado em 29/05/2012 ás 16h50

 
Três brasileiras que deixaram o país com o sonho de seguir carreira de modelo internacional – a mais jovem com 15 anos – teriam sido vítimas de tráfico internacional de pessoas, submetidas a cárcere privado, servidão por dívida, além de assédio moral e sexual, de acordo com o Ministério Público Federal de São Paulo. A denúncia foi aceita pelo juiz federal João Batista Gonçalves, da 6ª Vara Civil de São Paulo, que determinou que as agências brasileiras Dom Agency Model´s e Raquel Management parem imediatamente de enviar modelos ao exterior.

De acordo Relatório Global sobre Tráfico de Pessoas, produzido pelo Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e o Crime Organizado (UNODC) em parceria com a Iniciativa Global da ONU contra o Tráfico de Pessoas (UN.Gift), a forma mais comum de tráfico humano (79%) é para a exploração sexual, em que as vítimas são predominantemente mulheres e meninas. Quase 20% dos traficados no mundo são crianças, sendo que em algumas partes da África e do rio Mekong, na Ásia, elas são a maioria, quando não a totalidade. Crianças que serão utilizadas para prostituição, como soldados em guerras, como trabalhadores braçais. Os dados foram colhidos de 155 países, dos quais 125 são signatários do Protocolo das Nações Unidas contra o Tráfico de Pessoas.

O Brasil é fonte de mulheres e homens, meninas, homens e meninos, vítimas de tráfico de seres humanos para prostituição forçada e fonte de homens para trabalho escravo em território nacional. Estados como Goiás estão na origem de muitas vítimas traficadas para o exterior e a União Européia e os Estados Unidos como destinos dessas pessoas.

Reproduzo abaixo trechos da matéria de Bianca Pyl, da Repórter Brasil:

As três brasileiras, duas irmãs de 15 anos e 19 anos de São José do Rio Preto, interior de São Paulo, e uma jovem de 19 anos de Passos, Estado de Minas Gerais, deixaram o país com contratos para fotografar em Mumbai, na Índia. As duas primeiras foram recrutadas pela Raquel Management em 12 de novembro de 2010. A terceira assinou com a Dom Model´s em dezembro do mesmo ano. Ao chegarem, as três acabaram submetidas a condições degradantes e tiveram a liberdade cerceada. De acordo com depoimento que prestaram ao MPF, elas eram impedidas de deixar o apartamento em que viviam, em um edifício localizado em uma zona de exploração sexual, e só conseguiram escapar porque o pai das duas irmãs denunciou a situação ao consulado brasileiro em Mumbai. As jovens foram então resgatadas e conseguiram voltar ao Brasil em 26 de dezembro do mesmo ano graças ao auxílio do consulado, que arcou com os custos da viagem.

O proprietário da Dom, Benedito Aparecido Bastos, negou que esteja envolvido com tráfico de pessoas. Já Raquel Felipe, proprietária da Raquel Management, não quis se pronunciar sobre as acusações.

O agente local da K Models Management – parceira das agências brasileiras na Índia – chegou a ser preso pela polícia indiana na ocasião. Às autoridades brasileiras, as jovens relataram que ele pagou para que vigias do edifício as impedissem de deixar o local. Uma delas chegou a machucar o joelho ao fugir do homem, que tentou agarrá-la. Além da violência a que foram submetidas, as brasileiras não tinham acesso à água quente para o banho. No apartamento, segundo contaram, só havia água em algumas horas do dia. Uma das vítimas disse que não tinha tempo para se alimentar e descansar por conta dos trabalhos seguidos que era obrigada a cumprir.

Além da liminar, concedida na semana passada, para que as agências parem imediatamente de enviar modelos ao exterior, Jefferson Aparecido Dias, procurador regional dos Direitos do Cidadão do MPF-SP, responsável pela ação, espera que os proprietários sejam condenados a indenizar as três. “Além do prejuízo material, as jovens sofreram inequívocos danos morais, com todo o abalo emocional e psicológico durante o tempo em que permaneceram na Índia”, afirma o procurador, que diz que todas as cláusulas do contrato assinado no Brasil foram descumpridas, desde as acomodações até as condições de trabalho.

O valor das indenizações para as três deverá ser definido o curso da ação. Jefferson também pede ressarcimento à União de 2.116,18 dólares – valor gasto pelo consulado na Índia durante o processo de resgate e recondução das modelos ao Brasil. Para o procurador, este é um caso clássico de tráfico de pessoas e é um exemplo bem sucedido na repressão.

Com base no episódio, a Divisão Consular do Brasil na Índia enviou ao Ministério das Relações Exteriores relatório sobre a possível existência de uma rede internacional de tráfico de pessoas. As brasileiras resgatadas relataram ao vice-cônsul que tiveram contato com outras vinte modelos brasileiras em Mumbai, que também poderiam estar submetidas à escravidão. De acordo com o documento, os representantes das agências brasileiras “aterrorizam as famílias no Brasil por meio de coação, desaconselhando que busquem auxílio junto ao consulado brasileiro”.

As irmãs de São José do Rio Preto relataram às autoridades que Raquel Felipe, da Raquel Management, disse à família que, caso reclamassem da situação, elas teriam seus passaportes “carimbados”, e jamais poderiam fazer outras viagens internacionais. Em depoimento, uma das modelos afirmou ter notícias de que, mesmo após o episódio, a Raquel Management continuou trabalhando com a agência indiana.

Benedito Aparecido Bastos, dono da Dom Agency Model´s, diz que foi responsável pelo envio de apenas uma das modelos envolvidas no processo e alega que em nenhum momento ela relatou abusos ou contou ter sido submetida a condições de exploração na Índia. Segundo Benedito, as outras duas modelos teriam se desentendido com a agência local pela falta de demanda de trabalho e fizeram a denúncia ao consulado para conseguirem passagens de volta ao Brasil.

Ele confirma que tinha contato com a Raquel Management e que ambas as agências enviaram modelos para o exterior, mas diz que toda a documentação estava regularizada e nega que faça parte de uma rede de tráfico e exploração de pessoas. Raquel Felipe, proprietária da Raquel Management, por sua vez, não quis dar entrevistas sobre o caso. Segundo empregados da sua agência, ela não pretende se pronunciar sobre as acusações.

Uol

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