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Poeta, escritor e professor da UFPB. Membro da Academia Paraibana de Letras. E-mail: [email protected]

Dois Poemas

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publicado em 09/11/2022 ás 07h00
atualizado em 08/11/2022 ás 15h41

Lista de algumas coisas de que gosto

 

  1. Aguinha fresca do pote.
  2. Cavar com as mãos a terra úmida.
  3. Colher o choro da chuva,

principalmente quando a tarde anoitece.

  1. Namorar as mulheres bonitas

que me comovem.

  1. Galopar o mundo no lobo de cavalos.
  2. Viajar pela insônia

nas carruagens de Bach ou de Bethoveen.

  1. Ler e reler Dostoievski.
  2. Quase todos os versos de Pessoa.
  3. Muitos, muitos de Bandeira e Drummond.
  4. Beber sozinho

acariciando o veludo da noite.

  1. Caminhar pelos becos, ruas desertas, madrugada.
  2. Boxe e bilhar; pedra e perfume.
  3. Ver Far-west em preto e branco.
  4. Dançar bolero coladinho
  5. e espiar o mar

pelo menos uma vez por semana.

 

O Testamento

 

I

 

Do inventário constam

os seguintes bens:

as poças de pedra do cariri,

meu curral de boi de osso,

a máquina (caduca) de puxar agave,

os grotões, as chãs, os umbuzeiros,

tantas coisas que perdi.

Soberano, que me ensinou

as letras da caatinga;

Estrela-vésper, láctea, leite,

a porteira bichada,

o moirão iluminado.

Minha biblioteca,

meu cachorro de estimação,

os dominós de minha amada,

o alho de minha solidão.

Minha fazenda de murmúrios,

as estórias de John Fante,

um pedaço de perfume, bulas,

poemas, textos,

nada mais.

II

Da partilha ficará:

Pra minha mãe,

essa légua tão tirana.

Pra Mariana, um colar de sonhos.

Pra Carolina, os sonhos da colina.

Pra vó de Wellington,

deixo o meu Tolstoi.

Pra Lúcio, o meu pedaço de sol.

A Edônio, entrego as mulheres

de cabelos curtos.

Pra Milton fica a garça, o mar,

a França.

Pra Edilson fica a rede

e a nota perdida do “Mestre Romão”.

E pra alguns amigos que fiz,

o tempo que perdi.

Pra Morais, o De profundis,

o Texas, o nunca mais.

Fica pra Magno

o silêncio e seus relevos.

Pra Cori, os evangelhos.

A Tavares devolvo o Pico do Jabre,

o Sanhauá, as franjas de Pedro Ivo.

Fica pra Vera

o sangue de meu caule,

os meus retratos, a minha estante,

o meu Jesus Cristo.

Pra meus irmãos,

um vinho qualquer.

Primos, tios, avós,

todos os dias da semana.

Pra mim,

o inevitável bolero

da morte.

(Do Livro da agonia e outros poemas, 1991)

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