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O futebol é um sonho vivo

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publicado em 28/11/2022 ás 07h00
atualizado em 27/11/2022 ás 16h42

Ninguém na transmissão ao vivo pela TV aberta chamou a atenção de quem assistia ao jogo de estreia da seleção brasileira na Copa do Mundo, mas eu vi.  Posso não ter ouvido e ser desmentido, mas eu vi o bandeirão do Botafogo da Paraíba (foto) em meio a outras do Brasil lá no estádio Nacional de Lusail, no Catar. E puxando o fio da memória, recordei-me de dois jogos do meu time, o Flamengo, contra o alvinegro de João Pessoa. Ambos nos anos 80, os dois de tristes lembranças para mim.

O primeiro, no Campeonato Brasileiro de 1980, não tão triste assim. Porém, de derrota, por 2 a 1, no início da campanha vitoriosa do time rubro-negro naquela competição, uma zebra (preta e branca, como manda o figurino) do tamanho deste país continental. Eu estava lá, na arquibancada do antigo Maracanã, sofrendo e xingando alguns dos muitos craques que aquele time possuía. Mas foi algo passageiro, pois o Flamengo se recuperaria muito bem e conquistaria seu primeiro título nacional na final contra outro alvinegro, o Atlético Mineiro também recheado de craques.

A outra lembrança é bem mais triste, principalmente para o então lateral-esquerdo Adalberto, promissor jogador que já havia sido campeão mundial de juniores pela seleção brasileira, em 1983, e vivia um momento muito bom com a camisa do Flamengo, em 1986, até que em outro jogo pelo Campeonato Brasileiro, numa manhã de domingo, no Caio Martins, em Niterói, ele foi violentamente atingido por trás e praticamente encerrou ali a sua breve e brilhante carreira. Tentou voltar, mas não conseguiu. No entanto, se realiza certamente por intermédio do filho, Rodrigo Moreno, integrante da seleção espanhola que disputa o Mundial do Catar.

Puxar o fio da memória é talvez o meu esporte favorito quando o papo é futebol. E contar histórias, as muitas que vivi nas arquibancadas, na geral, nas cadeiras, como repórter, nas peladas de rua ou em campos de terra, gramados ou ambos dividindo o mesmo espaço entre as quatro linhas regulamentares. Não a toa escrevi um livro chamado “Contos da Bola” e já comecei a preparar o 2.

E nesta prática de pequenos detalhes me acenderem na mente a lâmpada da memória, logo após a vitória do Brasil sobre a Sérvia houve outra. Uma amiga aqui de Florianópolis que não vejo desde o iniciozinho de 2020 publicou uma foto de um campo de futebol inclinado fazendo alguma referência ao jogo da seleção, acho. Na verdade não me lembro bem, afinal estava me perdendo – e me encontrando – no tal fio da memória e fui lá pros anos 70, início de 80 novamente, quando jogava peladas de rua no Grajaú, bairro da Zona Norte do Rio de Janeiro. E a recordação foi para aquelas em que joguei em ladeiras de paralelepípedos. Não era fácil jogar no time de baixo, mas a alegria de jogar e sonhar com a bola nos pés era muito maior que tudo.

Infelizmente não se vê mais peladas de rua no Brasil. Até de vez em quando vejo meninos e até meninas brincando de bola nas ruas detrás do prédio em que moro aqui em Florianópolis. Fico observando um pouco me lembrando de mim. Mas não há mais aquela frequência e urgência que tínhamos de jogar todos os dias, às vezes de manhã, de tarde e de noite. Quantos craques brasileiros nasceram assim? E quanto eu e outros tantos sonharam em se tornarem craques dos gramados naqueles dias de peladas?

Certamente Vinicius Júnior, Richarlison e outros da atual seleção não jogaram nas ruas, embora de origem bem humilde, entretanto não tenho dúvidas de que foram nas peladas que se formaram antes de chegarem aos clubes que os revelaram. É fácil perceber pela alegria com que jogam e se entregam em campo, do gingado, do drible, do improviso, tudo tão presente em nossa História futebolística et tão ausente de nossa seleção nas últimas muitas Copas e nos últimos 10, 12 anos, restritas a um só personagem, nosso único craque da bola neste período, embora com características pessoais e profissionais que me desagradam muito: Neymar.

Agora, parece, já não dependemos mais tanto dele. E, assim, o título do filme produzido pelo Museu da Pelada, tão necessário como alerta sobre a nossa aculturação futebolística, “Fomos bailarinos, hoje somos robôs”, talvez fique logo datado. Assim espero. Afinal, parodiando sempre o grande poeta Ferreira Gullar: “O futebol-arte existe, porque a vitória não basta”.

 

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