João Pessoa, 08 de dezembro de 2022 | --ºC / --ºC Dólar - Euro
Coisas do destino. E destino a gente sabe como é que é, ninguém explica, acontece. Éramos crianças e morávamos no mesmo bairro e frequentávamos a mesma escola pública. Era ela uma menina deslumbrante, não só aos meus olhos, mas também a outros encantava. Discreta, meiga, quando saia pelos corredores após as aulas, parecia flutuar. No dia em que faltava à aula, a tristeza se abatia sobre mim, minando minha concentração, e nada afastava meus pensamentos de sua imagem. Só podia ser amor, mas eu não entendia nada desse sentimento.
Um dia aconteceu de não voltar à escola, e em tantos outros dias seguidos ela não mais apareceu. Adoecera? Teria sido transferida? Não sabíamos e nada nos foi dito. Ficou a ausência e, por consequência, a tristeza. Vim, muito depois, saber que o nome desse sentimento era amor platônico, ou seja, tive que pesquisar no Google, e o Professor de Filosofia Pedro Menezes explicou que “Amor platônico é qualquer tipo de relação afetuosa idealizada em que não há a realização de uma relação amorosa, por diferentes motivos, como em um caso de amizade entre duas pessoas em que pelo menos uma deseja outro tipo de relação. Amor platônico também pode ser um amor impossível, difícil ou que não é correspondido. Muitas vezes, uma pessoa tem um amor ou paixão platônica e nunca tenta sair dessa fase por medo de se machucar ou de verificar que as suas fantasias e expectativas não correspondem à realidade”. Foi quando percebi que, já naquela época, eu era invisível a seu olhar. Ou ela não percebia o nosso interesse a si devotado ou, propositadamente, lançava sua indiferença.
Mas a vida segue também para as crianças, tirando-as do seu mundo lúdico e levando-as para a realidade do cotidiano adulto. Confesso que não mais lembrava dela. Homem feito, na lida diária pela sobrevivência, e o tal do destino ressurge para cavucar meus sentimentos. E tudo aconteceu na portaria do Condomínio Esperança, onde eu acabara de conseguir um emprego como porteiro e, como num filme de felizes coincidências, foi ela – sim, a menina que inebriava meus sonhos -, quem assinou o meu contrato de trabalho como a síndica do condomínio. Não posso afirmar se ela lembrou que tínhamos estudado na mesma escola, mas eu jamais esqueceria aquele rosto de mulher que ainda preservava os traços de linda menina.
Sempre obsequioso a seus pedidos e determinações laborais, continuava alimentando a esperança de ser por ela reconhecido (já que nunca tive coragem de lembrar nossa infância). Inútil. Suas falas se referiam sempre ao necessário, seu olhar mirando lugar algum quando a mim se dirigia. Custei a perceber que o tal do nível social fosse um obstáculo entre nós e que, aquele meu sonho infantil, agora desesperançado, não afloraria. Resignado, permaneci na invisibilidade tentando esquecer um sonho impossível, como impossível é a concretude do amor platônico, pois sequer minha mão tocou na sua, nem mesmo nos cumprimentos cordiais.
* Inspirado no conto “O Homem invisível” do livro Modo de Apanhar pássaros à mão, de Maria Valéria Rezende (Editora Objetiva, 2006), para o Clube do Conto da Paraíba, em 05.12.2022.
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TURISMO - 19/12/2024