João Pessoa, 22 de maio de 2012 | --ºC / --ºC Dólar - Euro
A Câmara dos Deputados aprovou, nesta terça (22), a proposta de emenda constitucional 438/2001, que prevê o confisco de propriedades em que trabalho escravo for encontrado, destinando-as à reforma agrária e ao uso social urbano, em segundo turno. A matéria, que foi aprovada em primeiro turno em agosto de 2004, deve agora voltar ao Senado por conta da inclusão de imóveis urbanos pela Câmara no primeira turno de votação.
Foram 360 v0tos a favor, 29 contrários e 25 abstenções, totalizando 414 votos. Ao final, os deputados cantaram o Hino Nacional no plenário da Câmara. Em 2004, foram 326 votos a favor, 10 contrários e 8 abstenções. Ou seja, houve mais votos favoráveis no segundo turno.
Mais de 3,1 mil propriedades foram fiscalizadas por denúncias de trabalho escravo desde 1995, quando o Brasil criou o seu sistema de combate ao crime. Destas, foram resgatadas mais de 42 mil pessoas.
Após reunião das lideranças partidárias com o presidente da Câmara Marco Maia, houve um acordo para que a proposta fosse colocada em votação. Inicialmente todas as bancadas orientaram seus deputados a votarem a favor, com exceção de Nelson Marquezelli, que apresentou o PTB como “não”. Contudo, no decorrer da votação, o partido voltou atrás e mudou para “sim”, corrigindo a orientação dada pelo deputado federal paulista.
Ao final, nem todos os parlamentares obedeceram a orientação partidária, mas o número foi suficiente para aprovar a matéria.
No mês de março, em reunião com o ministro Gilberto Carvalho, da Secretaria Geral da Presidência da República, representantes de trabalhadores rurais ouviram a promessa de que a proposta de emenda constitucional 438/2001 seria colocada em votação até a semana do dia 13 de maio. Marco Maia (PT), presidente da Câmara dos Deputados, já havia se comprometido, na semana anterior, a colocar em votação. Escolheu o dia 8 de maio para a votação. Em janeiro, Dilma Rousseff colocou a PEC como prioridade legislativa para o governo federal neste ano. Ela e mais 12 governadores eleitos assinaram, durante a campanha eleitoral de 2010, uma carta-compromisso prometendo atuar pela votação e aprovação da proposta.
A PEC 438/2001 agora volta ao Senado, onde também deve sofrer pressões para a alteração de seu texto. Os ruralistas e contrários à proposta defendem a aprovação de uma lei que defina o conceito de trabalho escravo. Os favoráveis à proposta e o governo afirmam que não há necessidade, que o conceito de trabalho escravo já é claro no artigo 149 do Código Penal, e defendem a aprovação de uma legislação infraconstitucional apenas para regulamentar a expropriação, garantindo que ela ocorra após decisão judicial transitada em julgado.
A votação estava inicialmente prevista para terça (8), quando houve um ato no auditorório Nereu Ramos, da Câmara dos Deputados, reunindo centenas de pessoas, entre trabalhadores rurais, movimentos sociais, centrais sindicais, artistas e intelectuais, mas acabou adiada para esta terça. A proposta chegou a entrar na fila de votação no dia 9 de maio, mas acabou sendo retirada. Os ruralistas, então, adotaram como estratégia aproveitar para negociar mudanças profundas quando o texto fosse para o Senado e usar a PEC 438 para tentar descaracterizar o que é a escravidão contemporânea.
O artigo 149 do Código Penal, que trata do tema, é de 1940, reformado em 2003 para deixar sua caracterização mais clara. Varas, tribunais e cortes superiores utilizam a definação desse artigo. Recentemente, processos por trabalho escravo contra um senador e um deputado federal foram abertos no Supremo Tribunal Federal com base no 149. Nas falas dos ministros do Supremo, fica clara a compreensão do Judiciário a respeito do que sejam “condições degradantes de trabalho”, uma das características da escravidão contemporânea mais refutadas pelos ruralistas.
São elementos que determinam trabalho escravo: condições degradantes de trabalho (aquelas que excluem o trabalhador de sua dignidade), jornada exaustiva (que impede o trabalhador de se recuperar fisicamente e ter uma vida social – um exemplo são as mais de duas dezenas de pessoas que morreram de tanto cortar cana no interior de São Paulo nos últimos anos), cerceamento de liberdade/trabalho forçado (manter a pessoa no serviço através de fraudes, isolamento geográfico, retenção de documentos, ameaças físicas e psicológicas, espancamentos exemplares e até assassinatos) e servidão por dívida (fazer o trabalhador contrair ilegalmente um débito e prendê-lo a ele).
A ministra Maria do Rosário, que vem se dedicando à aprovação da PEC, afirmou que o governo federal é contrário a qualquer proposta ou projeto de lei que envolva a possibilidade de rever o conceito de trabalho escravo. Há um projeto em trâmite na Câmara dos Deputados, de autoria de Moreira Mendes (PSD-RO), que retira as condições degradantes de trabalho e a jornada exaustiva da caracterização de escravidão contemporânea.
Parlamentares ouvidos por este blog, e que acompanham a matéria, lamentaram a posição de alguns de seus líderes e disseram que vão atuar para barrar qualquer tentativa de rebaixar direitos de trabalhadores através de uma mudança no conceito de trabalho escravo. Se isso acontecer, organizações da sociedade civil afirmaram que denunciarão o país aos organismos internacionais. E pega mal a sexta maior economia do mundo ser denunciada por reduzir a proteção ao trabalhador enquando cresce economicamente. Enfim, hoje, o “veta Dilma” é para o Código Florestal. Amanhã, pode ser para um novo conceito de trabalho escravo.
Uol
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