João Pessoa, 18 de dezembro de 2022 | --ºC / --ºC Dólar - Euro
Scarlet Moon de Chevalier havia me convidado para arregimentar os convidados do novo show do Lulu Santos no Canecão. Foram incontáveis visitas ao seu apartamento na Benjamin Batista, eu como morava na Rua Jardim Botânico ia a pé ao seu encontro, só que numas dessas eu comentei que estava ajudando na produção de uma trupe teatral sem proventos, uma galera nova, inventiva com brilho no olho, ela arregalou os olhos e disse que ia ajudar no que pudesse. E ajudou divulgando em sua coluna no Jornal “O Globo ”sempre que podia com fotos da cantora congolesa Alpha Petulay, Caio Blat e Betito Tavares (foto), todos do espetáculo Karma. É duro saber que um corpo desiste da alma. Compreender os desígnios do Criador é tarefa árdua, pois perder um ente querido vai sempre doer. Então prefiro falar dos bons momentos que passamos juntos com este último citado, o Betito.
Beto tinha comprado um automóvel russo Lada muito usado( três péssimas qualidades) e nós acabamos a turnê na barra da Tijuca e tínhamos que devolver o cenário no outro lado da cidade do Rio de Janeiro e teríamos que passar pela Linha amarela para chegarmos ao destino final de uma peça que de rendimentos deu para a gasolina dessa devolução de madeiras, móveis, ferros, tecidos, todos amarrados no teto do possante Lada. Muitos integrantes dentro do carro abarrotado, éramos sete era o título dessa novela que conto a seguir. Sete pessoas entulhadas dentro do russinho bordô, o motorista sem habilitação, o carro sem documentos, o teto afundado de quinquilharias amarradas com cordas, eis que nos deparamos com uma volumosa Blitz. Gritaria e esperneamento dentro do carro, pois nos imaginamos todos presos. Me veio uma luz que aprendi com o grande professor Ridalvo Costa, quando ensinou que no desespero eu falasse a verdade.
Fomo parados! A cara dos policiais era de mais desespero do que a nossa, pois eles estavam tentando entender o que era aquilo, de que planeta eram aqueles seres? Que nave espacial era aquela sobre rodas? Eu pedi para que todos os amigos se calassem e falei tudo que estava engasgado na garganta, uma verdade nunca dita:
“Moço, pelo amor dos deuses do Teatro, peço agora que você tenha piedade dessa turma mambembe, começamos no Recife e viemos parar na cidade maravilhosa, mas o cachê nosso de cada dia só deu para pagar a reserva desse tanque do carro. Sim, é um carro, sim, está ilegal, sem documentos, os pneus estão carecas, falta um farol, falta extintor, falta tudo, até a habilitação do nosso motorista, só peço a você e seus colegas, piedade! Piedade dessa turma que vive de arte e a única refeição foi uma coxinha sem catupiry porque era mais barata pra cada e uma coca dois litros dividida entre nós!”
A resposta veio imediatamente com um sorriso largo, garantindo nossa passagem e ele dizendo que ia deixar recado em uma outra blitz que teríamos que “não enfrentar” no outro bairro até chegarmos às proximidades da Penha!
Agradecemos o milagre, comemoramos, saímos impávidos, rindo, contentes, céleres, intrépidos e ainda irresponsáveis ao som de Otto no radinho de um só alto-falante pelos túneis da zona oeste carioca. Hoje a saudade faz visita, mas preferimos pensar nas memórias agradáveis como protagonista dessa história.
Voa Betito, voa!
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OPINIÃO - 22/11/2024