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Kubitschek Pinheiro MaisPB
Trinta anos depois, chega às livrarias de todo país o livro “Daniella Perez — Biografia, crime e justiça” com selo editora Record. O autor Bernardo Braga Pasqualette é advogado e jornalista, que dedicou os últimos anos a investigar um dos feminicídios que mais chocou o Brasil nas últimas três décadas. Bernardo Braga tinha 9 anos quando aconteceu o crime e, durante toda a vida, acompanhou as notícias relacionadas à morte da atriz.
Com texto escrito em formato de reportagem e pesquisa realizada com o olhar de quem entende do mundo jurídico, a biografia não autorizada, reúne um perfil da atriz e um mergulho minucioso no assassinato cometido por Guilherme de Pádua em dezembro de 1992. São 616 páginas divididas em três partes que o autor identificou como Livro I, Livro II e Livro III.
No primeiro Livro, o autor conta a história de Daniella desde o nascimento até a ascensão profissional e o sucesso da personagem Yasmin em De corpo alma, terceira novela da atriz, a responsável por torná-la um fenômeno da televisão brasileira. Entrevistas com fontes primárias e muita pesquisa em jornais e revistas embasaram o trabalho do autor, que ouviu os advogados de defesa dos autores do crime, Guilherme de Pádua e Paula Peixoto (Paula Thomaz à época do assassinato), delegados, promotores e o juiz responsável pelo julgamento. A intenção era ouvir todos os lados e Pasqualette procurou também a autora Glória Perez, mãe de Daniella, mas a conversa não chegou a render entrevista para o livro. Guilherme de Pádua, que morreu aos 53 anos, no dia 7 de novembro passado, era o parceiro de Daniella na novela “De Corpo e Alma”, assinada por Glória Perez.
A segunda parte investiga o assassinato. Pasqualette parte do último dia de vida de Daniella Perez para reconstituir o crime. A repercussão, o sensacionalismo, o perfil dos acusados e a busca por justiça, além do julgamento, são descritos com detalhes. Na terceira parte, o autor analisa o crime enquanto feminicídio e relembra outros assassinatos, como o da menina Aracelli, além de acompanhar a execução da pena por parte dos acusados e o desencadeamento gerados pela condenação.
O assassinato da atriz também foi tema da série documental lançada pela HBO Max em julho. Em cinco episódios, “Pacto brutal: o assassinato de Daniella Perez” repassa todos os detalhes do crime ocorrido em 28 de dezembro de 1992.
O MaisPB conversou com o autor e traz as informações de indicação de uma boa leitura.
MaisPB – “Daniella Perez – Biografia, Crime e Justiça” é denso e você esmiúça um crime que mexeu com o povo brasileiro. Ficou alguma coisa de fora?
Bernardo Braga – Veja, é uma pesquisa de muitos anos e um caso muito complexo. Tentei abordar o caso de forma imparcial e abordando tudo aquilo que me pareceu importante. Por outro lado, não tive pretensão de completude, até porque seria praticamente impossível em caso que causou tanto comoção.
MaisPB – Como se deu a pesquisa e as descobertas?
Bernardo Braga – Esse é o trabalho de uma vida. Comecei a acompanhar o caso junto a minha avó, tinha nove anos quando ocorreu o crime. Durante a década de 1990, líamos bastante sobre o caso nos jornais e revistas e recortamos as principais reportagens. Minha avó ouvia rádio na frequência AM e tomava as próprias anotações, hábito que acabei por adquirir. O rádio era um complemento em relação ao que líamos, só que mais aprofundado. Ouvíamos os debates populares, onde múltiplos pontos de vista eram apresentados. Dessa combinação entre ler e escutar resultou o meu livro.
MaisPB – Você é advogado e jornalista por vocação e no livro a gente sente a riqueza de detalhes desse processo assombroso. O que lhe favoreceu mais na elaboração do texto, o advogado ou o jornalista?
Bernardo Braga –A base jurídica foi importante para compreender todas as nuances que envolveram as investigações policiais e os julgamentos. Também foi bastante útil para conduzir as entrevistas com defesa e acusação. No entanto, o jornalismo foi mais importante, tanto na condução da pesquisa quanto nas decisões que tive que tomar durante a elaboração do trabalho. Por exemplo, apesar da Constituição assegurar o sigilo da fonte, por decisão minha, não aceitei declarações “em off” neste trabalho. Da mesma forma, decidi que por mais indefensável que seja o crime, seria meu dever ouvir as defesas e os próprios condenados, caso desejassem falar. Foi uma decisão difícil, mas penso que do ponto de vista de informação ao público, foi a melhor decisão. Observação: as defesas deram longos depoimentos ao livro, os condenados (Paula e Guilherme) optaram por não se manifestar. A série da HBO não ouviu os condenados e não permitiu a participação de suas defesas.
MaisPB – Qual foi a reação de Glória Perez ao saber que você estava escrevendo a história desse crime?
Bernardo Braga – Tentei contato com a família da Daniella de diversas formas e, em janeiro de 2022, tive uma reunião com a Glória e o Rodrigo Perez. Foi uma conversa sóbria, franca e transparente, porém não evoluiu para uma entrevista. Encaro com naturalidade e entendo ser parte da liberdade de expressão não se manifestar.
MaisPB – Como conseguiu as fotos? Aliás, as fotos em que ela aparece com fãs e o do Pádua também, horas antes do crime?
Bernardo Braga – Fiz uma ampla pesquisa em vários arquivos de jornais. Fui pessoalmente aos arquivos e garimpei cada imagem. Trabalhei com o Elio Gaspari no meu livro anterior, e uma das coisas que mais admiro na escrita dele é a capacidade de contar a história por meio de legendas curtas no encarte de fotos. Foi o que tentei fazer.
MaisPB- Essa coisa da lei, do crime hediondo ainda espanta muita gente, né?
Bernardo Braga – Sim, foi uma iniciativa pessoal da Glória tornar o homicídio qualificado crime hediondo e ela foi muito bem-sucedida nessa empreitada, em um tempo em que não havia internet e celular, então foi um trabalho de formiguinha que resultou em algo grandioso: a primeira emenda popular elaborada sob a égide da Constituição de 1988. É possível ser contra ou a favor do conteúdo da emenda (à época a Folha de S.Paulo fez um contraponto à medida) mas a iniciativa é admirável.
MaisPB – Seu livro é tardio, mas traz um retrato cruel do que aconteceu. Você acredita que o livro chegará aos jovens que não viveram na época?
Bernardo Braga – Meu livro é baseado em fontes primárias, primeiro o processo criminal que condenou os réus por homicídio duplamente qualificado e depois em outras fontes primárias e entrevistas. É uma pesquisa ampla e meu objetivo é levar uma reflexão da sociedade brasileira acerca da realidade que nos cerca. Espero que os jovens de hoje, que não viveram aquele trágico momento, possam se interessar pela obra.
MaisPB – Você dedica muitas páginas ao personagem Yasmin, que Daniella interpretava, com vários registros fundamentais da vida da atriz, perspectivas futuras – seu talento. Vamos falar sobre isso?
Bernardo Braga – Daniella era bailarina por vocação e estava emendando, cada vez com mais destaque, sua terceira telenovela. Naquele momento, tinha uma carreira em linha ascendente e a personagem Yasmin havia arrebatado a audiência. Tanto que naquele segundo semestre de 1992, a atriz tinha adquirido a alcunha de “namoradinha do Brasil” posto vago desde que a atriz Regina Duarte deixará de ocupá-lo, em meados da década de 1970. Muito se recorda da Yasmin, mas gosto também de registrar a participação da Daniella em O Dono do Mundo, trama de Gilberto Braga. Dando vida à jornalista Yara, a atriz participou de momentos decisivos da novela, contracenando com nomes consagrados da teledramaturgia brasileira como, por exemplo, Fernanda Montenegro, Antônio Fagundes e Malu Mader. Foi também a única novela em que uma personagem interpretada por Daniella participou do início ao fim da trama.
MaisPB- Como foi sua conversa com o ator Raul Gazolla, que era casada com Daniella na época do crime?
Bernardo Braga – Não consegui contato com o viúvo de Daniella. Uma amiga em comum chegou a tentar contato com ele, mas não houve retorno para uma entrevista. Novamente, encaro com naturalidade tal postura.
MaisPB – Esse crime teria sido premeditado?
Bernardo Braga –Vários indícios apontam nesta direção e tal circunstância acabou confirmado nos julgamentos. Os dois réus foram condenados por homicídio duplamente qualificado, com a agravante da emboscada, o que denota a premeditação do crime. Devo registar, porém, que foram dois julgamentos muito acirrados, como os respectivos resultados demonstram: Guilherme, réu confesso em um primeiro momento, foi condenado por 5×2 e, Paula Thomaz, que jurou inocência durante o julgamento, foi condenada pelo placar estreito de 4×3.
MaisPB – Como tem sido a reação dos leitores, os lançamentos etc?
Bernardo Braga –Por uma questão de respeito a família da Daniella, optei por não fazer o lançamento do livro. Entendo que em uma tragédia desse quilate não há o menor espaço para a realização de algo que pode soar como congraçamento ou celebração. Tenho recebido um feedback positivo por parte dos leitores, sei que críticas também vão vir e encaro com serenidade a opinião das pessoas a respeito do meu trabalho.
MaisPB – Já que é uma biografia não autorizada, como a crítica tem reagido?
Bernardo Braga – Tenho recebido críticas pontuais por se tratar de uma biografia não autorizada, mas, friso, que trabalhei com independência e, como além da parte biográfica trato de um episódio da nossa história social, me pareceu correto ouvir todas as partes, independentemente de concordar com elas ou não. Estou quites com a minha consciência e durmo tranquilo.
TURISMO - 19/12/2024