João Pessoa, 29 de dezembro de 2022 | --ºC / --ºC Dólar - Euro
Sempre estamos a tentar explicar o amor de mãe, mas ficamos sem palavras. Dizem que é o amor que se assemelha ao amor de Cristo. É o amor vivido e sentido intensamente na plenitude da alma de quem ama sem ter medidas e limites para demonstrá-lo. É diferente de tudo que há no mundo, não obedece a leis nem a protocolos. É elevada forma de altruísmo. Quantas vezes repetimos, eu te amo, nos momentos de satisfação, de alegria, mas também naqueles de sofrimento e de dor, que nem as palavras conseguem amenizar a situação. Maneira de dizer: estamos juntos com seu sentimento que também é o nosso. Modo de enobrecer e alavancar o ente querido que se encontra desolado para retornar a seu equilíbrio. Aconselha-se, incentiva-se compromete-se, doa-se, acalenta-se. É o amor que nunca se acaba e que vive para a eternidade,
Eduarda, colega da hidro, frequentou poucas aulas este ano. Tinha andado desaparecida. Sentimos sua falta, mas ninguém sabia dar notícias. Na semana, antes do Natal, ela reaparece em nossa confraternização. Sentamos a bater um papo e conhecer a sua história. Veja, estivemos tão perto uma da outra, mas longe de prever o que se passava com aquela criatura. Ao término do evento ficamos eu, Marilia e ela que parecia desejosa de desabafar.
Eduarda foi muito bem casada, teve um filho. Num certo dia descobriu uma traição do marido e ao descobrir ele perdeu o respeito e disse que estava deixando a casa. “Ele abandonou sem piedade a mim e a meu filho”. O filho, Milton, tinha dez anos. Começaram os tempos difíceis. A mágoa foi grande e fez com que não aceitasse nada. Homem rico deixou a casa para ela. Pagava o plano de saúde e dava-lhe uma quantia correspondente ao colégio do filho. Estritamente o básico. Para ela nada. A partir dai Milton tornou-se muito revoltado porque via o pai sempre viajando para o exterior, esnobando dinheiro, e eles viviam muito sacrificados. Às vezes faltavam as coisas, mas Eduarda procurou segurar a barra com seu filho muito inteligente e estudioso. Aos 16 anos, Milton foi aprovado no Curso de Ciências da Computação da UFPB. Para obter a matrícula deveria ser emancipado judicialmente, o que sua mãe não o fez por achá-lo ainda muito imaturo e que haveria tempo para sedimentar mais o estudo. A revolta exacerbou o jovem que começou a andar com más companhias, cada dia mais crescendo o sentimento de rebeldia. Aos 17 para 18 anos, em novo vestibular, passou para Direito na UFPB.
Ao adentrar na Universidade Milton desmantelou-se completamente afagando todas suas mágoas nas drogas. Eduarda começou a ver drogas no banheiro e no quarto do filho. Ele não fazia reserva. Ao entrar nesse mundo abandonou o curso. Aí começou sua “Via crucis” com ele. À noite, quando saia, enfrentava madrugadas em claro. Procurava-o de praia em praia, sozinha, vendo o sol raiar. Fala: “eu não consigo nem dizer de meu sofrimento, frequentei as bocas de fumo. Eu tirei meu filho do buraco. Internei-o por duas vezes e fugiu. O pai, sabendo da situação, em vez de oferecer apoio, pelo contrário, tirou a mesada piorando ainda mais o problema”. A conturbação foi grande. Eduarda teve que sair do emprego, sobrevivendo de doações da mãe, da avó e de uma tia. Nos disse: “Não tinha nada que fizesse largar meu filho, iria até as últimas para vê-lo fora daquela vida. Às vezes perdia a paciência, brigava, gritava e batia nele. Nada resolvia, parecia que não havia jeito de sair daquele fundo do poço. Eram lágrimas perenes de sofrimento que eu não tenho palavras para expressar. Era dor que vinha do fundo d’alma e eu não sabia onde encontrar tanta força”. Foi quando procurou apoio em Jesus.
Diante da problemática Eduarda foi procurar também tratamento para ela porque era uma codependente, não consumia droga, mas estava vivendo aquela vida de dependente junto com Milton. Procurou os Neuróticos Anônimos, que é uma entidade que cuida e dá assistência às pessoas que estão precisando, idêntica aos Alcoólicos Anônimos. Estes grupos a trataram para poder tratar do filho. Acrescenta: “Com e a religião e a fé em Deus, prostada a seus pés, comecei a frequentar a igreja e senti que me acalmei. Não gritei mais com ele, tive paciência tratando-o e dando-lhe carinho. Esse grupo me ajudou a encontrar uma clínica em Recife que admitia fazer o tratamento de toxicômanos por meio do plano de saúde. Como foi a única coisa que o pai tinha deixado conseguiu interna-lo”.
Na clínica, teve que dar uma caução de 50 mil reais que com ajuda de familiares e amigos conseguiu. Lá permaneceu sete meses. Na primeira vez que foi vê-lo no dia de seu aniversário a visita era apenas de duas horas e Milton encontrava-se ainda insurreto porque estava interno, forçado com abstinência química e não podia sair e nem aceitar tomar os medicamentos. Falou: “estou lhe visitando no dia do meu aniversário. Ele virou-se de costas dizendo: o seu presente é este. Meu filho, não faça isso comigo. Eu nunca vou virar as costas para você. Eu jamais esqueci daquela cena que me fez partir e sangrar meu coração e trago até hoje comigo. A visita durou apenas cinco minutos”. Nessa altura da conversa Eduarda foi às lágrimas e nos fez também comungarmos com seu sofrimento de mãe. A pausa e o silêncio reinaram entre nós, falaram mais alto.
Dessa luta e batalha começou a surgir uma luz e ele aceitou o tratamento e com mais seis meses conseguiu receber alta da clínica. Veio para casa e o grupo da igreja o recebeu, ele aceitou a doutrina cristã. Inicia-se todo um incentivo evidenciando que Milton era inteligente e capaz. Que conseguia estudar e não deixar se abater, que iria vencer. Não tinha condições para fazer cursinho, porém, com a força de todos, através do computador e de sua inteligência. Assim foi, empenhou-se, passava seis horas estudando e conseguiu prestar vestibular para a USP. Passou para o Curso de Administração de Comércio Exterior. Eduarda ficou com o coração na mão porque Milton só fazia um ano sem usar drogas. Ela temia vê-lo sozinho, fora de casa, e um ex-dependente químico. Ele a tranquilizou dizendo: “Mãe, Deus está comigo. E eu preciso de seu apoio”.
Na USP fez seleção para bolsas e foi agraciado. Hoje, já faz cinco anos e seis meses. Não usa drogas e ingressou no mestrado. Tem uma namorada, que é uma pessoa muito boa, que lhe dá apoio sentimental e está feliz com sua situação. No seu trabalho de conclusão do Curso escreveu: “Lancei minha sorte na estrada. E toda vez que o sol cruza o céu, eu sou seu, meu Jesus. Meu papel: cada dia é tentar ser melhor”.
Resultado de uma mãe que nunca desistiu de seu filho. Não fraquejou nas vicissitudes. Parabéns Eduarda! a vitória também é sua.
Profª. Emérita da UFPB e membro da Academia Feminina de Letras e Artes da Paraíba (AFLAP)
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OPINIÃO - 22/11/2024