João Pessoa, 15 de janeiro de 2023 | --ºC / --ºC Dólar - Euro
Frida Kahlo escreveu 39 palavras sobre a poetisa e escritora brasileira Adalgisa Nery. Elas eram amigas. Entre os vocábulos – alumbre, amor, aroma, antena, abismo e azul.
Recebi da editora José Olympio, o livro ‘Do fim ao princípio – poesia completa de Adalgisa Nery’, organizado pelo escritor e jornalista, Ramon Nunes de Mello. O livro é a consagração de uma mulher que sabia escrever e visitava os jardins da casa de Cândido Portinari, no Cosme Velho, Rio, na década de 40. E muito mais.
Adalgisa trabalhou com jornalismo e literatura, mas teve seu nome esquecido. Quando perdeu o marido, o artista Isamel Nery, dez anos depois casou-se com Louviral Fontes, que na época era Diretor de Imprensa e Propaganda da Ditadura de Getúlio Vargas. Pagou caro por isso.
Adalgisa escreveu os versos mais belos, os mais feridos, os mais delirantes e amorosos. Palavras outras, que nos deixam mais vivos, no que podemos pensar como a arte e a beleza da música. A música é, em si, um colosso.
Nos versos publicados agora num “livrão”, com poemas navalhados na carne, quase cios, círculos, a autora invade séculos da memória, que reflete na nossa vida toda. Memória signos, fontes e rios, evaporando e despedidas.
No poema “A Presença do Amado”, Adalgisa se dilacera ao se declarar ao amor, usando a palavra bendigo com a força da possibilidade intima. É impressionante o jogo de palavras, que compõe os seus versos e (di)versos sentidos.
Adalgisa não deixa rastro, sequer sequelas, como se ela estivesse a sonhar em gozo e ninguém precisa saber com quem a gente se deita, nada sobre a mesa, jamais a sobremesa, faunos e feras dançam nos seus céus e infernos versos, em qualquer cerimonia, da estrela da manhã do Bandeira, a beleza da tarde ou à noite, em busca da madrugada.
Uma mulher ao vento, como uma estrela precoce que nos puxa e leva nosso olhar para a vida da poesia.
As leituras mais densas, também frágeis, ou a frase que faz de nós, os que se movem, os que leem, versos da década de 40, perseguidos e perseguidores de uma forma que nos mantêm vivos, repito, vivos, num mundo morto a buscar uma memória tão esquecida e pura. Onde andará Adalgisa Nery?
É preciso ler os poemas e romances de Adalgisa Nery, é preciso, é preciso. Tudo o que ela escreve e faz de nós seres ancorados, libertos ao largo no espaço das coisas que mais queremos, que desejamos, a luta da paixão, o luto e depois, a libertação.
De tanto vislumbre desses poemas inundados de desejos, está a aparição de uma fotografia dela no miolo do livro, com o indicador abaixo do queixo, um retrato de Paulo Cracez, de 1971, para o Pasquim. As unhas pintadas parecem afiadas e não sei como é que as mulheres usam unhas grandes, se o prazer vem pelo vento, do ventre, velas e caravelas.
Quem sou para escrever sobre Adalgisa Nery? Não sou nada, um leitor aprendiz. Talvez pela contemplação dos seus versos. Talvez eu esteja a sonhar com amantes e flores, talvez porque, segundo ela, os amantes se realizam na interpretação das almas.
Não sei, não sei sequer quem sou a pensar em escrever sobre Adalgisa. Sei que Adalgisa, permanece viva.
Kapetadas
1 – Só não entendo essa obsessão por estado de sítio. A gente já está na roça faz tempo.
2 – Ser brasileiro é considerado comorbidade?
3 – Uns testam positivo, alguns negativo e outros testam grande.
* Os textos dos colunistas e blogueiros não refletem, necessariamente, a opinião do Portal MaisPB
OPINIÃO - 22/11/2024