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Poeta, escritor e professor da UFPB. Membro da Academia Paraibana de Letras. E-mail: [email protected]

A poesia de Garatujas selvagens

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publicado em 25/01/2023 ás 07h00
atualizado em 24/01/2023 ás 21h27

O poeta José Inácio Vieira de Melo, (foto) alagoano, radicado na Bahia, possui o espírito aventureiro e a mobilidade dos menestréis medievais. Persegue a palavra poética como persegue o tesouro primordial, sempre iluminado pelo ideário de um Quixote atento às suas virtualidades orais e escritas.

Já o vi dizendo seus próprios poemas e já o li no silêncio das páginas, tocado pela comoção que os seus versos podem deflagrar na incandescência de algumas imagens vitais. Sinto que para ele a poesia não é apenas um jogo de vocábulos, um quebra-cabeça tipográfico, um experimento artificial com a linguagem. É palavra, sim, porém, palavra que nunca abdica da contaminação da vida, em sua miséria ou em sua beleza.

Desde Código do silêncio (2000), passando por títulos como Decifração de abismos (2002), A terceira romaria (2005), a que prefaciei, e outros, a exemplo de A infância do Centauro (2007), Roseiral (2010), Pedra só (2012), O galope de Ulisses (2014) e Sete (2015), tenho acompanhado a sua trajetória de poeta lírico, fiel a seu amor pela palavra e aos vocativos especiais da literatura, quer nos esforços que exige em meio a esse tempo de incertezas, ressentimentos e niilismo, quer na possibilidade de seus secretos encantos e privilegiados prazeres.

Agora me vejo às voltas com Garatujas selvagens (Cajazeiras: Arribaçã, 2021), compulsando uma caprichada edição que, se me agrada pelo engenho e arte da componente gráfico-visual, também me prende pelas lições intrínsecas de sua mensagem poética.

“Cunhar abalos sísmicos ∕ eis o meu ofício” (P. 21).

Talvez esteja aí, nestes dois versos, a origem dos movimentos emotivos e estéticos do lirismo telúrico de José Inácio. Um telurismo, diga-se de passagem, que não se deixa prender aos estereótipos da paisagem sertaneja nem ao gosto corriqueiro de certas pesquisas regionais, posto que nele habita, também, o dado metafísico, trilhado com sensibilidade e imaginação.

O sertão, que atravessa a clareira dos seus versos e se cristaliza na luz de cada imagem e na geografia do poema, é o sertão dos espaços abertos, de agreste orografia, de “garatujas selvagens”, porém, ainda é o sertão mítico e simbólico, explorado pela força da memória e pelo calor da imaginação.

Penso, ainda, que, a par deste viés centrado nas raízes e na evocação dos elementos ancestrais, inscritos na medula verbal de sua expressão lírica, enriquecem o percurso deste poemário as camadas metalinguísticas do texto, desde já sondadas a partir do poema de abertura, espécie de propedêutica metapoética que, se se revela comprometida com a autonomia da palavra, nem por isto se atém apenas aos sortilégios de sua materialidade sintática e sonora, uma vez que são essenciais as suas irradiações semânticas e os seus efeitos artísticos.

Vê-se, por outro lado, que essa coletânea assume como que uma dimensão antológica, na medida em que o apuro e a disciplina da edição, distribuída em dez blocos temáticos, resumem, a seu turno, o universo subjetivo e a mitografia pessoal do autor, assim distribuída: “rabiscos rupestres”, “lonjuras”, “cartografia do medo”, “rota infinita”, “retratos”, “instantâneos”, “panorâmica das mães”, “afresco para inácia”, “autorretratos” e “a rota do ser”.

Tanto o verso longo quanto o verso curto, ou, dito de outra forma, uma poética do excesso, que não se assusta com o peso das palavras, quanto uma poética do mínimo, marcada pela economia e pela contensão, aparecem, aqui, a demonstrar que o poeta procura se exercitar em claves diferentes, fugindo, por conseguinte, ao regime exclusivo desse ou daquele paradigma formal e estilístico.

Muito dos motivos abordados nas obras anteriores, como a infância, os entes queridos, as inquietações existenciais, o sentimento amoroso e a terra, sobretudo a terra, são retomados aqui, embora desta feita sob o prisma de uma concepção técnica e literária plenamente maturada, sobretudo no âmbito das configurações metafóricas.

Se aqui e ali, o fluxo confessional sucumbe aos imperativos da emoção em sua face mais humana, limitando-se, portanto, ao recorte estreito de uma singularidade, não são poucos, contudo, os momentos em que os arranjos vocabulares se convertem na verdade da emoção estética, alcançando, assim, as ressonâncias universais que cabem às exigências da autêntica poesia.

Exemplo do que afirmo é o poema “Lonjuras” (P.47), que assim se realiza: “O Sertão ∕ é dentro dos longes. ∕∕ É só pra quem sabe estar perto ∕ quando longe.  ∕∕ O Sertão ∕ é pra quem sabe ser longe”. Ou, ainda na mesma clave temática, o poema que a ele se segue, intitulado “Trilhas” (P.48): “somente ∕ perdido ∕ nos caminhos  ∕∕ o andarilho ∕ está ∕ em casa”.

Na altura de seus cinquenta e quatro anos e com uma obra já consolidada, conforme o testemunho de muitos leitores e de uma seleta fortuna crítica, José Inácio Vieira de Melo pode dizer, sim, o que diz no poema “Biografia” (P.140), na agudeza de seu melhor minimalismo: “Biografia ∕ de poeta ∕ é poesia”.

* Os textos dos colunistas e blogueiros não refletem, necessariamente, a opinião do Portal MaisPB