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Jornalista, cronista, diácono na Arquidiocese da Paraíba, integra o IHGP, a Academia Cabedelense de Letras e Artes Litorânea, API e União Brasileira de Escritores-Paraíba, tem vários publicados.

Zé Américo e a natureza

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publicado em 08/02/2023 às 07h00
atualizado em 07/02/2023 às 18h09

No final do século XIX, o cenário do antigo Brejo de Areia tinha cordilheiras e verde por todos os lados, um lenitivo para os olhos, lugar onde José Américo de Almeida nasceu e distinguia, em seus livros, as vozes da terra e dos canaviais que se espalhavam pelos pés-de-serra e grotões. Ele se embriagava com o som das cachoeiras e do vento que balançava as palmeiras.

Na paisagem do Engenho Olho d’Água, onde nasceu e aprendeu a ser silencioso, vivia atento para o uivo do vento pelas plantações de cana. O vento que se esparramava sobre os telhados das casas de sua pequena cidade, a antiga Vila Real do Brejo de Areia, o acompanhou como alimento à saudade.

Sua infância foi povoada pela paisagem exótica e abundante do Brejo, de beleza singela. Para José Américo, essa paisagem era um bálsamo. Desde a maneira como a natureza se apresentava, viçosa e exuberante, com seus componentes de variadas espécies, animais e vegetais, tudo conservou como alimento para sua produção de escritor.

No tempo da sua infância, a terra apresentava uma fisionomia que pouco oscilava. Sempre verde, estava pronta para o cultivo o ano todo. As serras e grotões eram decorados com o verde das matas, plantações de café, agave e canaviais. As flores silvestres perfumavam todos os recantos do engenho e da casa-grande. Um deslumbre aos olhos e bálsamo para a alma.

Dos pássaros de muitas espécies, destacavam-se o tiziu, o papa-capim, o galo-de-campina e os canários cor de gema de ovo que transformavam o alvorecer e à tardinha em momentos alegres, parecendo uma sinfonia de muitas vozes.

Na tenra idade, lembrada em suas memórias, imaginava o mundo dividido em dois ambientes: casa-grande do engenho e a mata defronte, no alto do morro, por ele considerado lugar inviolado.

O pomar ao redor da residência da família, no engenho, era visto como “sagrado”, onde existiam as fruteiras para colheita. Ele mesmo, às vezes, se atrevia a colher algum fruto saboroso para comer. Saborosas mangas e cajus, nas escapulidas, sentava à sua sombra ou brincava dependurado nos galhos que se derreavam até ao chão.

O jardim, sempre recordado com saudade, oferecia plantas em forma de farmácia caseira: sabugueiro, hortelã de folha grossa e de folha miúda, erva-cidreira, erva-doce, erva-babosa, capim-santo, alecrim, colônia e muitos outros exemplares da flora medicinal.

Em um jirau de toro de vara entrançada, amarrado com cipó ou corda de caroá, cultivava-se coentro, tomate e cebolinha. Das terras próximas de casa que vinham para o consumo doméstico o açafrão, o alho, a pimenta malagueta e a pimenta do reino. No aceiro do terreiro, o jatobá e o pé de maria-preta amarravam-se os animais, ou os flamboyants e os ipês que enfeitavam as matas ao redor de casa, a todo tempo são lembrados em suas memórias.

Ao descrever as paisagens humanas e rurais de sua terra, José Américo se tornou símbolo uma árvore humana que brotou nas terras brejeiras da Paraíba. Foi o escritor francês François Mauriac quem disse, com propriedade, o que se aplicaria ao autor de A Bagaceira: “A humanidade toda inteira se encontra no camponês da nossa intimidade e todas as paisagens do mundo no horizonte familiar, aos nossos olhos de criança”.

A paisagem do Brejo paraibano, paisagem de sua infância, mais do que a região do Sertão, ganhou valioso espaço na memória de José Américo, brotou como um rego de água cristalina a correr entre as enseadas para fixa-se nas páginas dos livros.

* Os textos dos colunistas e blogueiros não refletem, necessariamente, a opinião do Portal MaisPB