João Pessoa, 10 de fevereiro de 2023 | --ºC / --ºC Dólar - Euro
Nem mesmo médicos gostam de ir ao médico. A burocracia hospitalar, de cadastro na recepção e de longa espera para o atendimento, desencoraja a consulta até com os mais competentes profissionais. Às vezes, a doença incomoda menos do que o desgaste com planos de saúde ou com filas do SUS.
Pior é quando o médico também incomoda, à parte da dignidade do ofício de São Lucas. Não há saber de palavra difícil, como pneumoultramicroscopicossilicovulcanoconiótico, que valha a falta de empatia. No romance russo A morte de Ivan Ilitch, o magistrado que intitula o livro passa a reavaliar a vida após um acidente doméstico, ponderando sobre as escolhas feitas e as relações cultivadas. Com dores, Ivan questiona o médico sobre o perigo da situação. É ignorado de forma bastante insensível. Para o médico, não importava tal questão, importava o diagnóstico: era rim solto ou apendicite?
Enquanto escrevo esta coluna, já há tantos minutos aguardando o meu atendimento, penso em adentrar o consultório não à espera de um diagnóstico, mas com uma ordem peremptória, que inviabilizaria a necessidade de outras consultas. Inspirada em Augusto dos Anjos, esbravejaria: “Tome, Doutor, esta tesoura e… corte/ minha singularíssima pessoa.”
Contudo, sem a sordidez do maior poeta paraibano que já existiu, quando a recepcionista chama meu nome completo, perco as certezas e, mesmo para o mais ínfimo problema, já me comporto como Ivan Ilitch: é perigoso, doutor? Não era.
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OPINIÃO - 22/11/2024