João Pessoa, 16 de fevereiro de 2023 | --ºC / --ºC Dólar - Euro
Eles eram baianos e foram amigos. Não, não formaram dupla sertaneja. Um, com genialidade, inovou a batida de violão, e definiu o toque da bossa-nova. Com sua voz sussurrada, consagrou o estilo intimista e influenciou uma geração de músicos e cantores. Seu canto transpôs as fronteiras do país e foi consagrado também no exterior. O outro, com sua pena criativa, traduziu como ninguém o espírito do povo baiano, imortalizando em suas histórias a graça, a malícia e a malemolência daquela gente preta e pobre da primeira capital do Brasil. E o mundo passou a conhecer melhor a Bahia.
Não se pode contar a história da música popular brasileira sem falar em João Gilberto; igualmente a literatura nacional teve na figura de Jorge Amado um dos seus maiores expoentes, aquele que vivia dos direitos autorais de seus livros, e que durante muitos anos figuraram na lista dos mais vendidos no Brasil e traduzidos lidos nos seis continentes. Ainda hoje suas obras são reeditadas.
João, com sua timidez, em dois importantes momentos de sua vida, se socorreu do amigo Jorge. A primeira, solicitou ao escritor que intercedesse junto ao pai de Chico Buarque, o historiador, sociólogo e escritor Sérgio Buarque de Holanda, para dizer que ele, João, era um bom rapaz, pois estava de namoro com a filha de Sérgio e queria casar com Heloísa, mais conhecida como Miúcha. Jorge não titubeou ante o apelo do amigo, e no dia 26 de janeiro de 1965 escreveu ao patriarca dos irmãos Buarque: “Meu caro Sérgio, (…) Esse baiano de Juazeiro (João Gilberto), das margens do S. Francisco, é um dos brasileiros de maior talento e uma das melhores pessoas que eu conheço”. Não deu outra. Sérgio aquiesceu e João casou com Miúcha e tiveram uma filha, a também cantora Bebel Gilberto.
Na segunda vez, foi um fato mais grave protagonizado pelo – aparentemente calmo – cantor baiano. João telefonou para Jorge e disse: “Jorginho, recebi uma convocação do juiz para estar em São Paulo na quinta-feira. Não posso ir […] preciso de um advogado que me represente […] que seja bom”. Era para patrocinar a defesa em um processo criminal no qual João Gilberto figurava como réu por ter arrebentado um violão na cabeça de um colega músico, com quem se desentendera. Jorge ligou para o advogado Luiz Coelho, que militava na capital paulista, narrou o fato vivenciado por João e, por fim, suplicou que o defendesse. O advogado, muito amigo de Jorge, escutou e, por fim, disse ser sabedor do caso, mas não poderia defender Joãozinho pois estava justamente patrocinando os interesses da vítima.
Essas e outras histórias estão no livro Jorge, Navegação de cabotagem – apontamentos para um livro de memórias que jamais escreverei (Companhia das Letras, 2019).
* Os textos dos colunistas e blogueiros não refletem, necessariamente, a opinião do Portal MaisPB
TURISMO - 19/12/2024