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Magistrado, colaborador do Diário de Pernambuco, leitor semiótico, vivendo num mundo de discos, livros e livre pensar. E-mail: [email protected]

Digo, ou quis dizer

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publicado em 23/02/2023 às 07h00
atualizado em 22/02/2023 às 17h42

Os dedos crepitavam numa velocidade que jamais imaginara alcançar diante de dezenas de letras e símbolos. À velocidade dos dedos no teclado as palavras surgiam e com elas as frases diretamente impressas no papel. E assim o documento ia tomando forma e ao final da folha a página era retirada com um hábil giro do rolo emborrachado. O matraquear dos toques mais se assemelhava ao som de metralhadora expelindo seus projéteis. Àquela época era a maneira mais moderna de escrever através de um equipamento mecânico. Toda repartição pública ou escritório ostentava sobre uma mesinha uma máquina de datilografia.

A invenção da máquina de escrever atribui-se ao padre paraibano Francisco João de Azevedo, entretanto, foi patenteada pelo inglês Henri Mill. Outros acreditam que foi inventada pelo italiano Pellegrino Turri. O certo mesmo é que ao longo dos anos criei uma intimidade com essa ferramenta, que cheguei a escrever sem  olhar para suas teclas. Com ela produzia no ambiente cartorário certidões, mandados judiciais, formais de partilha, termos de audiência, e nas horas vagas, punha-me a escrevinhar coisinhas que pretensiosamente chamava de poemas, contos ou crônicas. Em sua companhia migrei profissionalmente de escrevente de cartório para juiz de direito. Ainda hoje mantenho – decorativa e silenciosa –  a minha quarentona Olivetti Linea 98.

Meus filhos costumam perguntar como era escrever naquela geringonça; o que se fazia para obter mais de uma cópia do mesmo documento; e quando ocorria um erro de digitação, ops, de datilografia, o que era feito para corrigir? Claro que não tínhamos a mesma facilidade dos dias atuais. Para cópia utilizávamos papel-carbono entre uma folha e outra, no máximo quatro. Quando errávamos, para não enfeiar o texto utilizando borracha, que às vezes rasgava o papel, a técnica era escrever logo após a palavra errada, o verbo digo, e assim lançar o termo correto. Alguns datilógrafos em vez de digo, usavam o quis dizer.

                             Lembro de uma servidora cartorária que, numa audiência, ao escrever o endereço da testemunha que estava prestes a ser inquirida, consignou que a depoente morava na Rua Digo Velho. De imediato, ao perceber o erro, pois o logradouro se chamava Diogo Velho, assim fez a correção: “onde eu digo Digo, não digo Digo, digo Diogo”.

                             Pois é, entre uma datilografada e outra, atravessamos as décadas do digo, ou quis dizer.

* Os textos dos colunistas e blogueiros não refletem, necessariamente, a opinião do Portal MaisPB

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