João Pessoa, 02 de março de 2023 | --ºC / --ºC Dólar - Euro
De que adiantava chorar? Tantas vezes protagonizara choros convulsos formando charcos de desilusões. Perdão aceito, a história se repetia e mais uma vez os olhos – como diques rompidos, deixavam escorrer uma torrente de lágrimas. Chega! A dor da partida definitiva estiara o manancial lacrimante. Haveria de ser forte e seguir em frente.
Postou-se na varanda do apartamento ainda com os cabelos em desalinho e pode ver, seguindo cambaleante, aquele que em tantas ocasiões fez aumentar seus batimentos cardíacos, e sumir na primeira dobra da esquina. Para que se presta o amor? Sabe-se lá! Surge de onde menos se espera e da mesma maneira como surgiu, evade-se sem explicação. Ah, os poetas. Esses nasceram para definir o sentimento abstrato que tanta gente procura. Era o que imaginava dos que versejam.
Postada ali, ela e a solidão naquele quarto e sala alugado, janelas e portas abertas, a permitir que a ventania varresse de todos os cômodos, os maus fluídos de um relacionamento tóxico. Desta vez não haveria choro nem retorno. O som de um baque metálico de uma latinha de cerveja, derrubada ao chão pelo vento intruso, a fez olhar para trás e ver, sobre a mesa da sala, cinzeiro com tocos de cigarros, restos de “comidinhas para depois do amor” – como cantara Vinícius, o poetinha da canção do amor demais, e copos ainda meados de cerveja. Cenário do que poderia ter sido bom, mas que fora decisivo para a sua libertação. Estava resoluta, e agora era o que importava.
Na faculdade, ainda no curso de letras, aprendera a ler os grandes poetas e a eleger os seus preferidos. O italiano Eugenio Montale (foto) era um deles. Ao sentir o bafejo em seu rosto, lembrou dos versos do bardo genovês: “Talvez uma manhã andando num ar de vidro, /árido, voltando-me, verei cumprir-se o milagre: /o nada às minhas costas, o vazio atrás /de mim, com um terror embriagado”.
Fechou as portas e deixou seu corpo cair na maciez do sofá da sala. Os olhos cerrados buscavam encontrar o sono de uma noite em claro. O toque da campainha a sobressaltou e, recompondo-se do susto, ouviu a voz roufenha do outro lado da porta: “abre amor, precisamos conversar” .
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