João Pessoa, 03 de março de 2023 | --ºC / --ºC Dólar - Euro
Em quantas situações não nos reconhecemos? Nas estéticas, quando cortamos o cabelo após anos ostentando o mesmo visual. Nas extremas, em que a adrenalina vira insumo de sobrevivência, e tomamos atitudes que precisam de uma dose extra de coragem. E, mais grave, nas vivências triviais, quando as mudanças vão se aconchegando em nossa pele e em nossa alma, tão discretamente que só se tornam perceptíveis quando as rugas ou os pensamentos já mudaram nossa expressão.
Nenhum argumento é mais vazio, numa discussão, quanto “você não era assim quando nos conhecemos!” ou “você mudou muito”. Oras, é claro que não era assim. O interlocutor, com a boca cheia para apontar um declínio comportamental no outro, esquece que ele também mudou muito. Nunca se é o mesmo de um evento passado, as águas já são outras.
Mesmo sendo as águas outras, permanece alguma matéria, física e espiritual. O maior poder que pode alguém exercer é reconhecer as mudanças e essa matéria resistente. Melhor do que eu, escreveu Clarice Lispector, (foto) em A Paixão segundo G. H.: “Até então eu nunca fora dona de meus poderes – poderes que eu não entendia nem queria entender, mas a vida em mim os havia retido para que um dia enfim desabrochasse essa matéria desconhecida e feliz e inconsciente que era finalmente: eu! eu, o que quer que seja”.
Às vezes sem tanta felicidade, às vezes com alguma consciência e um bocado de psicanálise, em constante mudança, mas eu, o que quer que seja.
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OPINIÃO - 22/11/2024