João Pessoa, 08 de março de 2023 | --ºC / --ºC Dólar - Euro
Ler tudo e de tudo. Reler, todavia, nem tanto assim. Eis um lema que me guia na minha história de leitura. Procede, portanto, a pergunta que me fez uma aluna em plena sala de aula, nestes termos: “Que livros você não releria mais?
Ora, não indicarei precisamente este ou aquele, respondi a minha aluna, mas devo estabelecer alguns critérios de ordem geral que me anulam o desejo de voltar a certas páginas e a certos autores. Critérios que podem ser considerados vagos, precários, discutíveis, mas que, enfim, são os meus critérios.
Não releria, por exemplo, um livro mal escrito. Mas, que seria um livro mal escrito? Um livro cuja linguagem não atende aos mínimos requisitos de correção da gramática normativa? Um livro que não corresponde aos modelos institucionais da norma padrão? Um livro de estilo mesclado em que o coloquial se projeta, com todos os vícios de linguagem, solecismos, barbarismos, cacofonias e cacoetes idiomáticos, no tecido da escrita?
Não sei. Não sei, Não sei.
Sempre considerei a gramática insuficiente diante do arrepio da língua. Ou melhor: do arrepio da linguagem, sobretudo quando esta linguagem se pretende literária. A linguística textual e as licenças estéticas fecham os olhos para certos erros e construções gramaticais, quando o texto, além de alcançar o nível de compreensão desejável, consegue, por outro lado, formular sua mensagem com clareza, fluência, elegância e poeticidade.
Lima Barreto, Jorge Amado, (foto) José Lins do Rego foram acusados de escreverem mal por certos críticos presos aos ditames da gramatiquice. Nem por isto, deixo de voltar a eles. Digamos que eles escrevem errado, porém, naquele errado gostoso da fala do povo, como queria Manuel Bandeira. Às vezes, o livro é mal escrito exatamente porque sucumbe passivamente à rigidez das regras gramaticais; às vezes, porque o estilo não está em sintonia com o conteúdo, o que o torna falso e artificial.
Não releria também um livro que não me comoveu, que não me ensinou nada, que não me alargou a percepção de mundo, que não me apontou, no silêncio dessa ou daquela página, um sinal qualquer de contato com a beleza. A comoção, o saber, o prazer constituem experiências seminais para o exercício da releitura.
Literários, filosóficos, científicos, históricos, ensaísticos, didáticos, referenciais, os livros, todos, devem ser lidos. Relidos, no entanto, só aqueles que educam e deleitam, conforme o mestre latino. Aqueles que não me possibilitam isto, com certeza não os relerei jamais.
* Os textos dos colunistas e blogueiros não refletem, necessariamente, a opinião do Portal MaisPB
OPINIÃO - 22/11/2024