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Jornalista, cronista, diácono na Arquidiocese da Paraíba, integra o IHGP, a Academia Cabedelense de Letras e Artes Litorânea, API e União Brasileira de Escritores-Paraíba, tem vários publicados.

Roçado imaginário 

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publicado em 15/03/2023 às 07h00
atualizado em 14/03/2023 às 15h54

         

 

 

 

Quando o relâmpago cortava o céu além de Arara, meu pai se animava, fazia os acertos finais com os trabalhadores, meeiros ou não, para começar o preparo dos roçados.

Quando escutava dizer que chovia no sertão, e ao observar as nesgas de nuvens no céu do Brejo nos primeiros meses do ano, era sinal da proximidade de chuva. A terra já tinha recebido o trato para acolher os grãos de milho, feijão, fava e os toros de maniva. Tudo isso trazia a certeza de que seria possível colher os frutos da terra durante os festejos juninos.

Acompanhava meu pai quando fazia as previsões meteorológicas no sítio, a partir dos sinais da natureza, ainda nos últimos meses do ano. Em dezembro, mais ou menos, ele começava a olhar para a posição das nuvens, como as formigas guardavam alimentos, e esperava a chegada do veranico de janeiro para constatar se seria bom ou não o inverno, a partir dos primeiros meses do ano novo.   

 No ano anterior, ao que marcou minha saída de Tapuio em 1970, as previsões mostravam bom inverno, bem diferente do que se verificou em outras ocasiões. Uma euforia geral se apoderou dos vizinhos que também recorriam aos mesmos métodos de previsão de chuvas.

Essa alegria justificava-se pelo apego à terra do Brejo onde residia gente esperançosa, que iniciava os plantios na terra úmida, porque acreditava na fertilidade do solo. 

A cada punhado de sementes de feijão e milho depositado nas covas abertas pelas mãos calejadas, brotava um acalanto no coração dos trabalhadores. Tinham a consciência de que oito dias depois a terra seria rasgada pelo grão plantado e exibiria folhinhas. Quem tanto esperou pela chuva, no terreiro afiava a enxada para limpa do roçado, já sentindo o cheiro de terra molhada e o perfume do mato verde.  

Depois de oito meses de espera, as nuvens de chuvas chegavam novamente, saciavam a ganância da terra esturricada, açudes e barreiros em pouco tempo sangravam.

Ninguém agora precisa recorrer às experiências dos homens das bruguéias para constatar a proximidade das chuvas. Os aparelhos de medição da atmosfera trazem com precisão as indicações de chuva.  

Não tem maior prazer para o homem do campo do que olhar seu roçado florido, as vagens de feijão crescendo e o milho começando a embonecar. 

Quando chovia durante os dias que antecedem a 19 de março e imediatamente posterior, ninguém duvidava de que plantado milho, na noite de São João todos se fartariam com a colheita. O Dia de São José é um marco para o agricultor definir o plantio e colheita do milho para os festejos juninos, porque corresponde ao período germinativo, mesmo que as nuvens de chuvas estejam escassas.

Observando dias de chuva nesta época do ano, cultivei muito roçado imaginário, deixei-me contaminar pelas lembranças daqueles momentos em que os relâmpagos que cortavam o céu por cima das serras, distantes de Arara, há mais de cinco décadas.

O poeta ou o cronista tem essa liberdade de espojar-se no terreiro da imaginação. Embriagado pela emoção que a inspiração constrói, sonha com o influxo de uma vida guardada na memória. Pega um punhado de sementes e, silencioso, espalha no terreno da fantasia, coisa que cronistas e poetas sabem como cultivar. 

    

* Os textos dos colunistas e blogueiros não refletem, necessariamente, a opinião do Portal MaisPB