João Pessoa, 21 de março de 2023 | --ºC / --ºC Dólar - Euro
Preocupo-me, por vezes, e fico até receoso que a minha pequena, mas fiel lista de leitores e/ou seguidores nas redes sociais se canse dos meus insistentes escritos relativos às drogas e temas correlatos.
Não sei dizer com certeza se este comportamento deve-se a uma missão a mim confiada aqui na terra pelo Criador, ou se não passa de uma mania adquirida por este pecador, na permanente crença que a massificação das informações sobre estas substâncias, seus efeitos e malefícios, ajudarão na conscientização e conquista de uma sociedade mais humana, sadia e menos escrava do uso indevido de drogas.
Mesmo entre os profissionais da saúde não é incomum escutar declarações desestimuladoras que atestam desesperança e descrédito no tratamento da dependência química.
Não faço parte desta parcela de incrédulos e desesperançados. Continuo acreditando que pela educação, informação, cooperação e fraternidade entre as pessoas, poderemos juntos contribuir para a conquista de um mundo melhor para todo(a)s.
E esta minha crença continua viva, mesmo admitindo que, por vezes, me deparo com situações e realidades desafiadoras e aparentemente insolúveis. Como exemplo de um destes momentos difíceis descrevo um fato ocorrido há pouco tempo, quando fui procurado na clínica psicológica, por um pai de um jovem, na tentativa de auxílio para o seu filho adolescente, e dependente de crack (cocaína na forma de pedra).
Naquela ocasião, ouvi atentamente e comovido o relato daquele senhor de aparência humilde e semblante cansado, afirmando ser pai de um adolescente de 16 anos de idade, filho único, usuário contumaz de drogas, em especial daquela popularmente denominada “crack”. Acrescentou que o referido jovem, desde que passou a consumir esta droga se tornou bastante agressivo, e a praticar furtos na rua e também em casa, já tendo inclusive vendido todos os objetos e móveis da sua residência, incluindo neste rol até mesmo o vaso sanitário. E que, as únicas coisas que restaram naquele imóvel, foram um aparelho liquidificador e uma velha televisão, além de duas espumas que servem de cama para pai e filho.
Segundo ainda o comovente e triste relato daquele sofrido pai, estes últimos objetos só não foram vendidos pelo drogadicto, porque o declarante os leva para o trabalho todos os dias. E acrescentou ainda, que até mesmo a sua esposa e mãe do dependente, já abandonou o lar, haja vista não mais suportar as agressões do filho.
Assim sendo, me interrogou o ansioso pai: “o que devo fazer? Já procurei ajuda em diversos equipamentos públicos de tratamento para dependentes químicos, mas todos foram unânimes em afirmar que só podem interná-lo se esse aceitar a internação, o que ele não aceita”.
E continuou a narração: “…quero ajudar meu filho, mas não sei como, nem onde. Ele não tem mais ninguém, além de mim, e se eu o abandonar, quem vai cuidar?”.
Naquele momento, a única ação que tive, foi abraçar calorosamente aquele cidadão que chorava copiosamente, pois eu sabia que o mais importante para ele naquele instante era alguém que o escutasse e que dividisse com ele aquele desespero.
Com o relato desta ocorrência real, quero ilustrar e afirmar que é por causa de pessoas que enfrentam realidades como a desse pai e de tantos outros, que continuo minha empreitada educativa sobre as drogas. Eu e tantas outras pessoas que resolveram assumir esta missão complexa e desigual, temos a consciência de que muitas vezes a única coisa que podemos fazer por aquele(a)s que nos procuram é a “escuta” atenta solidária. Mesmo naquelas ocasiões que não temos a resposta adequada, não podemos deixar aquelas pessoas que nos procuram sair dali pior do que chegaram. O mínimo que devemos fazer é ouvi-las com atenção e demonstrarmos nossa solidariedade e compreensão.
Faço parte de uma minoria de profissionais da psicologia que defende a internação involuntária de dependentes químicos, não como regra, mas como exceção, especialmente em casos emblemáticos como este acima citado. Mesmo que isto contrarie discursos românticos e “politicamente corretos” de muitos profissionais da saúde, que certamente não testemunham a realidade das incontáveis famílias que convivem nos seus lares com a dura realidade desta doença, a dependência química.
Costumo dizer que o maior problema que a sociedade contemporânea enfrenta em relação ao uso indevido de drogas não é o grande número de usuários, dependentes ou traficantes destas substâncias, mas sim a multidão de omissos que existe em relação a esta causa, pois geralmente só agimos quando o problema já está instalado na nossa casa ou família.
Assim sendo, ao continuarmos com esta letargia e omissão generalizada, em que cada um só luta por suas causas individuais, estaremos inevitavelmente caminhando a passos largos na direção de catástrofes coletivas e talvez irreversíveis.
Deusimar Wanderley Guedes
Psicólogo e advogado
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