João Pessoa, 31 de março de 2023 | --ºC / --ºC Dólar - Euro
Aos pais que se empolgam planejando as festinhas dos filhos: aproveitem enquanto eles são pequenos. Assim que puderem expressar suas vontades de forma mais incisiva, eles mesmos escolherão os temas. Criança, com a autoridade máxima dos meus 6 anos, pedi uma festa de aniversário da Turma da Mônica. Adulta, já na casa dos 20, também celebrei um réveillon particular acompanhada pela turminha, vendo o filme da Mônica no cinema. Compartilho a data de aniversário, 1 de julho, com outro canceriano, Chico Bento, mas os personagens de Maurício de Sousa me acompanham a vida inteira.
Fui alfabetizada tanto pela escola quanto por Maurício. A felicidade que sinto hoje quando compro um livro online teve como embrião a satisfação de ir à banca comprar gibis. E olha que a infância no Limoeiro é muito diferente da infância que vivi no Cabo Branco: na rua cuja dona é Mônica, não há prédios, medo da violência ou tecnologias arrojadas. No tempo e no espaço em que as crianças vestem sempre as mesmas roupas, não tomam banho e comem melancias inteiras, ainda se brinca descalço na rua.
Não significa que os gibis não se atualizaram. O traço ficou mais estilizado. Referências pop entraram nos roteiros. Ídolos fizeram participações especiais – Ronaldinho Gaúcho, rei do rolê aleatório, já bateu bola com Cascão e ganhou revistinha própria. Mônica virou poliglota e teve gibis publicados internacionalmente, além de gibis publicados no Brasil em inglês e em espanhol. Com maior consciência social, personagens com deficiências, como o cadeirante Luca e a deficiente visual Dorinha, foram agregados à turminha. É uma abertura à inclusão sem abrir mão do “gorducha, baixinha, dentuça”, xingamentos ainda reproduzidos pelos meninos, lembrando que quem fala o que quer pode levar coelhadas.
A Turma da Mônica é uma das poucas unanimidades em um país tão polarizado. Embora mantenha o corpinho de 7 anos, Mônica já é sexagenária, e em tanto tempo de publicação, não colecionou grandes críticas. Tem gibi, série de TV, maçã e linha de roupas. Maurício de Sousa, que não mais desenha, mas criou do Bidu ao Louco, vem sendo cotado para a Academia Brasileira de Letras. Intelectuais cabeçudos se opõem, sob o pífio argumento de que quadrinhos não são literatura, como se ABL não tivesse formações com cadeiras mais políticas do que literárias. Oras, é claro que quadrinhos não são literatura. Quadrinhos são quadrinhos. E Maurício merece o fardão não por mérito literário, mas por mérito de leitura.
Qual outro brasileiro incentivou tanto a leitura neste país quanto Maurício de Sousa? Não importa se seus gibis foram, para alguns, apenas a porta de entrada para a literatura. Tzvetan Todorov, historiador e ensaísta, defende que até os textos que o crítico convencional considera com condescendência são extremamente válidos para estimular a leitura. Afinal, possibilitam uma primeira imagem coerente de mundo, que as leituras posteriores se encarregarão de tornar mais complexas.
Maurício sequer concluiu a educação básica, mas é responsável pelas melhores memórias afetivas de leitores com doutorado. É o Brasil em sua essência, desenhado com bom humor e expressado em onomatopeias.
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TURISMO - 19/12/2024