João Pessoa, 26 de abril de 2023 | --ºC / --ºC Dólar - Euro
Nas redes sociais cabe tudo e todos. Nelas há espaço até para tolos e perversos. Esses que, desconhecendo o sentido da liberdade de expressão, usam-na tão somente para dar vazão a seus preconceitos, mesquinharias e crueldade.
Choca-me que um bárbaro qualquer se valha dessa esfera pública para depreciar a figura de um homem dançando, expondo-a ao ridículo, simplesmente porque este homem é gordo. O que há de errado com os gordos? O que há de errado com os gordos que dançam? O que há de errado com os que dançam? Com os que gostam de dançar?
Absolutamente nada!
Dançar é um direito de todos (gordos e magros, brancos e pretos, ricos e pobres, crentes e ateus, casados e solteiros etc. etc.). Dançar é mais que um direito; é uma forma de viver e um modo de existir. Como se compreender a insólita experiência daquele personagem que dança em frente ao espelho no belíssimo filme, “O marido da cabelereira”, sem inseri-la no âmbito de uma cerimônia ao mesmo tempo cotidiana e sagrada? Uma cerimônia que se traduz no simples e inadiável pacto com a vida.
O verbo dançar, oriundo da raiz etimológica do sânscrito, “tan”, significa, em todas as línguas europeias, tensão, isto é, “vivenciar e exprimir”, conforme assinala Roger Garaudy, no livro “Dançar a vida”, “com o máximo de intensidade, a relação do homem com a natureza, com a sociedade, com o futuro e com os deuses”.
Nietzsche afirma, em certa passagem, que é preciso ter um caos dentro de si para dar vida a uma estrela bailarina, ou seja, uma estrela que dança, uma estrela que brilha, uma estrela que ilumina, que tem luz, que tem sabedoria…
Dançar é também uma forma de conhecimento, uma espécie e arte, uma estranha religião. Uma religião que envolve o corpo, o espírito e o coração numa musicalidade só, pondo aquele que dança em contato consigo mesmo, quer na materialidade de seus movimentos e de sua respiração, quer em suas dimensões intangíveis. Mas dançar é também estar com o outro, nas suas diferenças e singularidades, e com a realidade cósmica, em todas as suas latitudes e mistérios.
Para o poeta Dante, dançar é uma das principais atividades dos bem-aventurados, pois, no Paraíso, a dança é “o amor que move o céu e as outras estrelas”.
Quem dança está em êxtase e vivencia o fulgor do entusiasmo. Entusiasmo, atente bem, caro leitor, para o sentido original desta palavra. Entusiasmo quer dizer Deus entro de si, o sentimento de sua presença no meu corpo e na minha alma, sua participação plena no meu ser.
Ora, dançar nada mais é que conversar com Deus, pondo-me, por inteiro, na ternura de sua hospitalidade, fazendo de sua casa a minha moradia, que é a morada de todos, inclusive, dos gordos, sobretudo, dos gordos que gostam de dançar. Por isto, vivam os gordos e a dança!
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OPINIÃO - 22/11/2024