João Pessoa, 28 de abril de 2023 | --ºC / --ºC Dólar - Euro
Morar na rua do cabaré mais famoso de Sousa tinha suas vantagens, quase tão boas quanto trabalhar na farmácia frequentada por todas as prostitutas do bairro da Estação. O trabalho de balconista na farmácia de Seu João me deu a oportunidade, em um tempo em que isso não era proibido, de aplicar injeção em todas as prostitutas, que eram muitas e alegres.
E tristes. Todas as alegrias das prostituas eram tristes, muito embora, essa tristeza fosse socada para dentro, como alguém que engole o choro à força. Soube disso desde o primeiro dia em que conheci a primeira delas, tão fora de lugar quanto eu, por razões diversas.
Ela, porque era bem difícil ser mulher da vida, sobretudo no cabaré mais barato, o último, no final da rua, periferia da periferia; eu, porque a juventude já protagonizava em mim, embora imprópria para o momento, elevada compaixão por aquela jovem de olhar morto, lábios escarlates, voz e tempo apressados para outro cliente. Aquilo não poderia funcionar a contento.
Mas, não é desse fracasso precoce que quero falar. O fato é que eu me sentia perfeitamente integrado ao bairro, um elemento importante dele. Um bairro alegre, movimentado e pobre; um bairro grande, dividido, segundo os haveres dos seus moradores, em áreas, umas, mais nobres do que as outras, como os seus cabarés; um bairro amado, minha única morada na cidade sorriso no início dos anos 80.
O bairro da estação possuía seu centro. Nas cercanias da Estação ferroviária. Pertinho dali o parquinho na frente da Paróquia Nossa Senhora de Santana, dois ou três cabarés mais discretos do outro lado da linha férrea, o mercado, a mercearia de seu Laurindo, ali, na esquina, onde, nos domingos, ficávamos um grupo de garotos batendo papo sobre futebol. E um pouco mais distante, o Colégio de Macedo, onde lecionei matemática por dois anos. Na periferia, outros cabarés, porque o bairro tinha essa vocação, um vício para a alegria, mesmo que, amalgamado nela, dores, como muitas eram as agruras das suas prostitutas.
Nos dias da semana e no sábado eu ficava na farmácia. Lia, com extrema facilidade, o nome de todos os medicamentos, mesmo aqueles que continham apenas um rabisco entre a primeira e a última letra, como eram as prescrições médicas daquele tempo. Algo me encantava de verdade: os apelidos dos remédios postos pelos clientes da farmácia: Poliplex era “pau que cresce”; novalgina era “navagina”, banotal para binotal, o remédio do peixe, para a emulsão scott. Comprimido era “cachete” e por aí vai.
Sim, as pessoas que frequentavam a farmácia de Seu João eram pessoas muito simples, tão simples quanto o proprietário e eu. Mas aquilo era uma alegria farta, afinal a farmácia ficava no coração do bairro, na rua principal que corria de um lado ao outro da cidade, como uma dessas artérias principais que bombeia a existência de felicidade. Não é à toa que Sousa punha o seu sorriso de um canto ao outro do seu destino. Vocação, só isto.
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