João Pessoa, 30 de maio de 2023 | --ºC / --ºC Dólar - Euro
Desde que o homem e o mundo existem o artesanato está presente, confundindo-se com a própria história da humanidade. No período neolítico iniciou-se o desenvolvimento de artefatos para poder interagir com a natureza e assegurar a sua sobrevivência, seu bem-estar individual e coletivo. Para isto usou o homem suas próprias mãos no trabalho de alcançar seus objetivos, modificou a natureza adaptando-a a seu modo de vida, numa simbiose de convivência mútua, o que acontece até os dias atuais. O salto no tempo é grande. O homem hoje encontra-se cercado de tecnologia que o faz dispensar maiores esforços físicos, porém não pode prescindir da utilização de suas mãos no artefato que constrói e que terá 80% na sua confecção, com o manuseio delas. Nessa condição o artesanato ainda persiste na atualidade. A “Célula de Animação da Rede Portuguesa Leader II” enumera as suas funções: produtiva e utilitária; estética e decorativa; cultural, patrimonial e simbólica; social; recreativa e pedagógica; ambiental.
A viagem a Portugal no mês de abril próximo passado foi provocada por nossa filha Marielza que, como gestora do artesanato paraibano, recebeu convite da Prefeitura da cidade portuguesa de Castelo Branco, promotora do I Encontro Internacional de Cidades Criativas e Desenvolvimento Sustentável, para proferir conferência sobre a experiência da Paraíba, em particular da cidade de Joao Pessoa, juntamente com o Dr. Eduardo Barroso Neto, coordenador de projetos Especiais da Secretaria de Desenvolvimento Econômico da Prefeitura de Joao Pessoa, no período de 12 a 15 de abril.
Após Marielza concluir sua participação no evento, chegamos em Lisboa e ela nos esperava. Alugamos um carro e rumamos para Coimbra. Em Coimbra, Marielza tinha interesse em visitar o CEARTE – Centro de Formação Profissional para o Artesanato e Patrimônio, o que foi previamente agendado.
O que é o CEARTE? Centro de Formação Profissional para o Artesanato e Patrimônio, que é um órgão de abrangência nacional. Representa Portugal nos fóruns do artesanato e do patrimônio, integrando o Programa Europa Criativa, com ações em todo o país, desenvolvendo atividades de formação profissional, de reconhecimento e certificação de competências escolares e profissionais que, através dele, recebem o certificado de qualificação. Desenvolve cursos de formação e atualização com especialização tecnológica, educação de adultos, nas mais diversas áreas com o objetivo de atender exigências e inclinações do mercado de trabalho e dar apoio às empresas a fim de alcançarem a qualidade técnica para as quais se propõem. Fomenta o empreendedorismo e a inovação nas áreas social, cultural, criativa e do patrimônio. É recognição como centro de excelência de formação que procura responder as tendências e demandas do mercado de trabalho. Isto não só na área do artesanato, mas em outras de competitividade econômica de alta empregabilidade, como a hotelaria, restauração, conservação e restauro de Arte Sacra, cerâmica e vidro, museografia, multimídia, agroalimentar e economia social.
Quanto ao artesanato, o CEARTE dispõe de um Gabinete para a Promoção das Artes e Ofícios (GPAO), presta apoio técnico administrativo no sentido da organização e do processo da titulação na emissão da carta como artesão, unidade produtiva artesanal e gestão do registro nacional do artesanato. Exerce o acompanhamento e a organização do Sistema Nacional de Qualificação e Certificação de Produções Artesanais Tradicionais, além de dar assessoria no âmbito do Prêmio Nacional do Artesanato e da realização das exposições temáticas do IEFP, e confecciona os respetivos catálogos, no contexto da FIA – Feira Internacional do Artesanato
Na visita ao CEARTE fomos recebidos pelo seu diretor, Dr Luís Neves Rocha, Ana Cristina Mendes, Diretor Adjunto, e o Designer João Pedro Amaral, que nos acompanharam fazendo em cada setor uma explanação da atuação do órgão a ele vinculado, laboratório, oficina e sala de aula. Tivemos a oportunidade de ver uma sala de aula com alunos em plena atividade aprendendo modelagem de roupas, outra com os alunos aprendendo a técnica de trabalhar com vidros e construção de vitrais etc. Percorremos aquela instituição e ficamos maravilhados com o trabalho ali desenvolvido. Chama a atenção o CEART no propósito que tem de não deixar a arte artesanal morrer. O saber de artesão, de sua arte e técnica, ao elaborar uma peça, seja ela em qualquer tipologia que por herança aprendeu com a mãe ou avó, ele socializará e repassará seu saber para outros artesãos que tenham interesse, perpetuando, assim, a sua arte. Percebemos uma relação da instituição com a Universidade, no sentido de contribuir para essa formação, oportunizando que a Universidade exerça seu verdadeiro sentido de extensão. Os alunos universitários frequentam as oficinas conforme o interesse do curso, como foi dado o exemplo do Curso de Psicologia com a oficina de olaria na fabricação de peças de barro onde aprendem a confeccioná-las para usar na assistência que dão aos clientes com depressão, ansiedade, nostalgia etc. Vivem o concreto, fundem o saber cientifico com o saber empírico sem que se veja um conhecimento maior que o outro, eles se completam. Afirmam que os resultados são positivos.
O norte de Portugal é constituído por 86 Municípios com variedade e riqueza do seu artesanato. Cada um deles desenvolve uma especificidade. Exemplo: Barcelos é o que detém maior número de artesãos, distribuídos por diversas produções artesanais como a olaria, o figurado, a cerâmica tradicional, os bordados de crivo, os bordados e tecelagem etc. Braga, notabiliza-se pela confecção de instrumentos musicais, sobretudo os de cordas, referenciados internacionalmente: cavaquinhos, violas braguesas, ambos em processo de certificação entre outros. Guimarães, destaca-se por bordados no tecido de linho, cerâmica, ferro forjado, de ouro e de prata. Apresenta como peculiaridade a “Cantarinha dos Namorados”ou Cantarinha das Prendas”. É uma peça típica do artesanato, feita em barro cozido, com desenhos em relevo polvilhada com mica branca. É composta por duas cantarinhas, uma maior em baixo e uma menor em cima, rematada com um passarinho. Representa essa peça, conforme a lenda, o pedido de namoro de um rapaz para a moça que deseja namorar. Quando o namoro ficava sério e já partia para o noivado a cantarinha deveria ser cheia de ouro e ofertada a família do noivo. Em Coimbra, ressalta-se o domínio da arte de trabalhar o vime, a palha, o junco e outras fibras e na área do artesanato tradicional destaca-se a modelação, pintura de cerâmica, a olaria, a escultura e a gravura em madeira. E por ai vai. Cada lugar com sua riqueza artesanal patrimonial.
O CEARTE, como constatamos, dispõe de uma estrutura com laboratórios diversificados nas várias áreas que lhe dão suporte para desenvolver inúmeras atividades e projetos na área do artesanato, do patrimônio e indústrias criativas, notabilizando-se como sendo a única rede europeia do artesanato. Com essa atividade assume, na nossa visão, a posição de liderança europeia o que lhe dá o direito de promover assembleias e eventos internacionais. Tem parceria com Michelangelo Foundation For Creativity and Craftsmanship (MFO), localizada em Geneve, Switzerland, uma organização sem fins lucrativos que pretende promover a excelência do saber artesanal e estabelecer uma ligação forte entre artesãos e designers da contemporaneidade. É composta de 80 membros e inclui as principais escolas de artes da Europa. O CEART mantém um grupo de trabalho responsável pela proposta de candidatos portugueses aos títulos de Master Artisan (Mestre Artesão) e Rising Talen (Talento Emergente) e outros. Apoia formandos e ex-formandos e profissionais que pretendam avançar com um projeto de criação de pequenos negócios ou que, tendo já as suas microempresas, necessitem de apoio técnico e de inovação específica.
Esta relação direta entre comprador e produtor promove a autenticidade, facilita a experimentação e a compreensão do valor acrescentado pela produção manual de elevada qualidade técnica e estética. Esta autenticidade é o centro da tendência em que o design intervém na atualização de técnicas e padrões históricos, nunca deixando perder a sua identidade, aproveitando a memória coletiva dos artesãos, mas atualizando o artesanato tradicional, mantendo-o vivo para o mercado, criando peças com gostos, tendo como missão principal colocá-la à disposição de profissionais do artesanato, técnicos, formadores, designers, criadores, consultores, operadores e todos os interessados em geral, para que possam desenvolver adequadamente suas atividades e trabalhos de investigação. Tem por objetivo comum projetar a tradição no futuro e, sem a sacrificar, adaptá-la aos aspectos da modernidade.
Ainda visitamos o Convento Mosteiro de Santa Maria de Semide, ou Mosteiro de Santa Maria de Assunção, em Miranda do Corvo, distrito de Coimbra, fundado em 1154. É uma extensão do CEART que alberga uma Escola de Formação Profissional e um Lar de jovens da Caritas. Utiliza vários laboratórios e oficinas para treinamento, os mais variados, principalmente os de madeira. No final foi servido um almoço no próprio local com comidas típicas tradicionais, em especial o prato chamado Chanfana à base de carne de cabra, temperado no vinho tinto, alho, folhas de louro, pimenta, colorau e sal, e, como sobremesa, a Nabada, criada pelas monjas beneditinas, à base de nabo, açúcar e amêndoas, pulverizado com canela.
Voltando para Lisboa, Marielza quis passar um dia em Castelo Branco para que conhecêssemos a cidade e pudéssemos agradecer a assistência e a atenção que a ela foram dispensadas quando acometida de uma crise de cálculo renal, logo depois da conclusão do evento. E rever os amigos, Sofia Lourenço e seus pais Manuel e Nana Lourenço, que nos convidaram para que no retorno passássemos lá, e assim se fez.
Castelo Branco foi construída na Idade Média, entre 1214 e 1230. É uma obra dos templários, também chamada cidade do Artesanato e das Artes Populares. Encontra-se em processo de desenvolvimento para tornar-se Cidade Patrimônio Mundial da Unesco. Supõe-se que seu nome é devido a antiga cidade Cataleucos. Terá tido a sua origem no local de um castro pré-romano no início do séc. XII com uma povoação no cimo da Colina da Cardosa, em cuja encosta se desenvolveu o povoamento da vila, estendendo-se principalmente nas zonas planas adjacentes. Tem clima temperado mediterrâneo em torno de 15º graus, podendo chegar a mínimos 4º graus em janeiro e a máxima 25º graus em julho. É sede do Município de Castelo Branco, o terceiro maior português em extensão, com 1 438,19 km² de área[2] e 52 272 habitantes (albicastrenses) (2021), subdividido em 19 freguesias. Localiza-se no interior de Portugal a 50 km da fronteira com a Espanha e dista cerca de 100 km da cidade da Guarda e 80 km da cidade de Portalegre. É parte integrante da bacia hidrográfica do Rio Tejo, que corre a sul, formando uma fronteira natural com a Espanha. Tanto o Rio Ponsul como o Rio Ocreza, que atravessam Castelo Branco, são afluentes do Rio Tejo. Foi considerada, em 2006, num estudo elaborado pela DECO, a segunda capital de distrito do país com melhor qualidade de vida e situada na região estatística do Centro, na sub-região da Beira Baixa, na antiga província com o mesmo nome, com 34 455 habitantes no seu perímetro urbano (2021). A população do município tem envelhecido. Segundo o INE, cerca de 18% da população, o que corresponde a cerca de 6.937 pessoas, tem 65 anos ou mais. Chama a atenção o fato da taxa de mortalidade superar a taxa de natalidade. Outro dado notório é a organização política do município. Não há eleições para prefeito, O vereador mais votado será automaticamente o prefeito, o que achei muito interessante, numa forma de assegurar a real liderança dos munícipes. Percebe-se um esforço de reter o capital humano qualificado no município uma vez que Jovens qualificados com Ensino Superior fora do distrito apresentam baixa taxa de retorno, acabando por se fixar nos grandes centros urbanos.
Castelo Branco é cercada por vários monumentos, igrejas, museus com várias temáticas, bandas filarmônicas, teatros, além de parques e lugares que integram a história do município. Todavia, numa visita de um dia era humanamente impossível ver de tudo. Entre outros atrativos artesanais, inclui-se a arte de fazer queijos etc. Optamos por concentrar nossa visita enfocando o artesanato, haja vista que o tempo era exíguo. Destaca-se em Castelo Branco o artesanato de linho bordado com fio de seda natural. Acredita-se ser de inspiração oriental e se tornou conhecido a partir de meados do século XVI. Na época, todo enxoval de qualquer noiva da região deveria ter incluso uma peça ali confeccionada. Os usos, nos bordados, de cores vivas e de componentes, expressam a natureza, com realce para árvores, pássaros, cravos, rosas, homem, mulherada, cada um com uma simbologia. Exemplo: O cravo é elemento dominante, como flor resistente, ereta, símbolo da provocação, da virilidade.
Os bordados sofreram a influência oriental e inspiraram a sua moeda pioneira. Conforme investigação, verifica-se que a Imprensa Nacional – a Casa da Moeda é responsável pelo lançamento de uma moeda inspirada no bordado de Castelo Branco.Pela primeira vez fez-se uso da cor na cunhagem. “A moeda destina-se a promover os Tesouros da Etnografia Portuguesa e está cunhada em três versões: 100 mil exemplares de uma moeda de cuproniquel com um valor facial de 2,50 €, uma edição de prata Proof de 2.500 exemplares com um valor unitário de 47,23 € e também uma edição de 2.500 moedas de ouro, cada uma com um valor unitário de 805,00, num trabalho assinado por Fernando Branco e por Isabel Carriço. ” Recebeu prêmios nacionais e internacionais”.
A Câmara Municipal de Castelo Branco está a promover, através do Bordado de Castelo Branco, a sua adesão à Rede de Cidades Criativas da UNESCO, na categoria Artesanato e Artes Populares. O projeto, iniciado em 2022, deverá culminar no final de junho de 2023 com a submissão do dossiê de candidatura à UNESCO, a exemplo do que já acontece com a cidade de João Pessoa na Paraíba. A integração de Castelo Branco à Rede de Cidades Criativas da UNESCO possibilitará a cooperação com outras cidades que, tal como ela, reconhecem a criatividade como fator estratégico de desenvolvimento sustentável, promovendo, assim, a afirmação de Castelo Branco no panorama nacional e internacional, o que trará notoriedade e, com isso, ganhar mais recursos e investimentos para sua região
Almoçamos com Sofia num restaurante típico. Para encerrar nossa ida a Castelo Branco visitamos o Museu da Seda, tutelado pela Associação Portuguesa de Pais e Amigos do Cidadão Deficiente Mental (APPACDM). Essa Associação dispõe da maior produção nacional de sericícola, tendo desenvolvido parcerias importantes com a Universidade de Trás os Montes e Alto Douro (UTAD), com a Universidade de Pádua-Itália e com a Universidade Católica, Instituto de Ciências da Saúde. A visita inicia-se com a apresentação da Rota da Seda e a sericultura. O visitante toma conhecimento de todo histórico, como tudo aconteceu no passado e como se chegou até os dias de hoje. Tem-se a oportunidade de ver o “Bicho da Seda” e a obtenção do fio a partir do casulo. Na ocasião, a cada visitante foi dado um casulo de recordação. Vê-se como se forma o fio, a coloração, a formação do tecido, bem como, bordados feitos a mão e confecções de roupas expostas em manequins. Ao sairmos ficamos impressionados com o que vimos e a pensar? Como nessa época, onde a tecnologia resolve tudo e não consegue fazer com tanta perfeição o que um bichinho, pequenino como uma lagarta, faz um casulo que pode ter mais de 1.500 metros de fio. A modernidade está servindo para proporcionar condições ideais para que o bicho da seda possa reproduzir-se mais e seja preservado em todas etapas de sua evolução, produção e produto. Destaca-se Castelo Branco como tipologia exclusiva do artesanato nacional e internacional.
A narrar nossa trajetória seguindo o roteiro do artesanato português, vimos como foi rica a viagem em conhecimento cultural, histórico e social, onde pudemos de perto vivenciar e apreciar os costumes, hábitos e a gastronomia portuguesa. Nos consideramos privilegiados por acompanhar Marielza nessa caminhada. Um turista comum talvez usufruísse desses atributos, mas não com a intensidade que vivenciamos. Somos muito gratos a nossa filha por nos ter proporcionado esses inesquecíveis momentos.
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TURISMO - 19/12/2024