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Poeta, escritor e professor da UFPB. Membro da Academia Paraibana de Letras. E-mail: [email protected]

Bom dia para nascer!

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publicado em 07/06/2023 ás 07h00
atualizado em 06/06/2023 ás 17h21

 

Não é só o dia 26 de fevereiro que é um outro bom dia para nascer, conforme sugere Ruy Castro na primeira crônica de Ungáua. Quero crer que qualquer dia é um bom dia para nascer.

Num 27 de fevereiro, nasceu minha primogênita, Mariana. Linda com seus olhos negros e seus cílios espessos, disposta para o desafio da vida. Num 15, nasceu meu pai, que sempre se aventurou na peleja dos cavalos e na solidão das novilhas soltas no campo.

E já que estamos em fevereiro, foi no dia 14 que Vera nasceu. Vera, talvez minha única verdade, veio nas vértebras aladas do vento, com a luz aguda do sol, inesquecível alumbramento.

Qualquer dia é um bom dia para nascer!

Larinha nasceu no dia 11 de julho e trouxe consigo a ingênua sabedoria da criança travessa. Carolina, a outra filha, veio ao mundo em 13 de agosto, e, se tem desgostos, transfigura-os em pérolas de ouro com sua fibra e força de indomável leonina. Em agosto, dia 4, também nasceu minha mãe, que me deu o leite e me educou com suas lições de existir no cálido amor e na sábia justiça que distribuía nos sítios domésticos.

Assim são os dias dentro das semanas e das semanas dentro dos meses. Os anos, esses já se foram na vazão do tempo que passa por dentro de nós como um fio invisível que corta e perfura nossos corpos e nossa alma.

Qualquer dia é um bom dia para nascer!

Augusto nasceu em 20 de abril, e a várzea do Paraíba ficou como que paralisada pela batida compassada de seus decassílabos a sustentar seu olhar sombrio que devorava as vísceras das coisas, da terra e dos bichos com a fome canina dos que têm sede e aspiram o lugar sagrado das constelações mais perfeitas. Mesmo sendo de abril, não considerava abril “o mais cruel dos meses”, como T. S. Eliot, que nasceu no dia 26 de setembro. T. S. Eliot, o poeta de A terra desolada e de Crime na catedral.

Setembro é mês de dias dolorosos e decisivos. Os homens e as mulheres que vêm nos seus dias desconhecem a sintaxe das nuvens, plantam o amor na beira do abismo, trazem os sonhos dentro da velocidade da luz e buscam, nas palavras, o calor dos vales e a serena carícia da neblina que coroa os cabelos da serra.

No dia 30 de março nasce Johann Sebastian Bach e suas paixões. Bach é a minha prova de que Deus existe, o som dos silêncios mais profundos, a camada vertical de uma música sagrada que sempre me deu o gosto da paz interior, o sossego definitivo do espírito, a certeza de que a poesia nunca se traduz na geografia da linguagem.

Quem nasceu também em março foi Vicent Van Gogh, no dia seguinte, 31, para colorir o mundo com o desespero cristalino dos amarelos, com o vento copulando com os trigais, com os ciprestes enfurecidos e agoniados. Se existe um pintor, este pintor é Van Gogh. Sua existência, por si só, justifica o mistério e os paradoxos do dia 31 de março.

E outubro? Possui os sortilégios de setembro? Não sei. Sei que há muitos dias nos outros meses. Dias de muita gente boa, de muitos deuses e deusas na festa da vida. Só que tenho uma queda especial por outubro. Nasci nesse mês, precisamente no dia  9. No dia 9 em que nasceu Mário de Andrade, aquele poeta que disse; “Sou trezentos, trezentos e cinquenta ∕ mas um dia desses toparei comigo”.

Qualquer dia é um bom dia para nascer!

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