João Pessoa, 08 de junho de 2023 | --ºC / --ºC Dólar - Euro
A vida cada dia vai nos pregando lições. Quando você pensa que sabe tudo ainda tem coisas que precisa saber. Há o ditado “é morrendo e aprendendo. ” O aprendizado é interminável, somente concluído na finitude da vida.
Estava na espera de minha aula de hidroginástica, quando vejo aquela criança franzina de 5 anos chegar com uma senhora e ser recebida pela professora Elisa, quando fala: “ Oi Fred, seja bem-vindo a nossa aula”! Aí ele entra na piscina e a aula começa. No final, percebo que outra senhora vem apanhá-lo e diz: “Vim buscar Fred. E a professora fala para ele: ‘Quem é ela? Ele responde; “Minha mãe”. Então a professora diz: “ que bom que você tem duas mães”. A docente se apresenta e cumprimenta a senhora que conduz Fred. Despedem-se e cada um vai para o seu lado.
Coincidentemente, na outra aula estava eu lá para ver a cena que ia dar continuidade a história de Fred iniciada na terça-feira. Chega uma das mães de Fred, entrega-o, dizendo que no fim da aula virá buscá-lo. Ao término, a professora aproxima-se da mãe para dar notícias do progresso de Fred na hidroginástica. Dizer do diálogo mantido com ele: ” estava conversando com Fred e percebo ele muito inteligente e versátil. Eu querendo brincar com as crianças lancei um desafio, porque eu já tinha perguntado a Fred se ele sabia nadar. E disse-me: sei. Achei incrível, pois também sabia que nunca havia frequentado piscinas e praia. Então disse: Cada um vai mostrar que sabe nadar. Para surpresa minha, na hora de Fred, ele não titubeou como fazem as outras crianças, porque ao entrar na água pela primeira vez, geralmente têm medo. Eu tenho comigo uma estagiária, Marilia, que sempre auxilia, pois, a piscina, com 15 crianças, requer muito cuidado. Então eu e Marilia ficamos a postos para quando Fred pulasse ir auxiliá-lo. Pulou de primeira, jogou as mãos para trás usando a técnica do crawl (significa rastejar) que é um estilo mais utilizado, mais rápido e eficiente de todos os estilos de natação. Este modo de nadar já vem das velhas civilizações e depois foi incorporado aos esportes em 1858, na Austrália, sec. 19, no Campeonato Mundial de 440 Jardas. Fred nadou como um peixe, mexendo os ombros, o corpo, batendo os pés, e conseguiu atravessar a piscina, chamando atenção de todos nós. Elogiei-o, admirando o seu esforço e desempenho. Falando muito eufórico e se dizendo feliz, disse-me: “sabe professora que eu tenho três mães? Duas de casa e uma da rua. ” Não mostrei espanto e disse para ele que era mais feliz que outras crianças que só tinham uma mãe. ” Ele concordou e confirmou sua felicidade. Contou toda sua vida. “ Minha casa é muito bonita. Tenho um quarto só para mim. Eu tenho um tênis muito bonito”. Depositou toda sua felicidade em possuir um tênis, isto um sonho acalentado, desde que vivia na rua, que para ele foi a culminância e por aí vai. Dos presentes; para ele o tênis era o mais importante. Detalhando o seu dia a dia, ao falar com a mãe, ela narrou a história de Fred. Foi adotado.
A mãe de Fred vivia com os pais numa cidade do interior do Estado. De família de classe média baixa, como toda mocinha de interior frequentou o colégio e chegou a terminar o ensino fundamental e já estava para ingressar no nível médio, quando se envolveu com um rapaz um pouco mais velho que se encontrava desviado da família, no mundo das drogas. Para sustentar seu vício usava de todos artifícios. Era bastante conhecido. Vivia enturmado com outros que tinham as mesmas práticas. A família lutou para reencaminhá-lo, mas o estar nesse mundo exerce um fascínio irresistível e não há quem demova e reverta o acontecido. Há uma impotência e fragilidade por parte dos familiares para encontrar soluções. Recorrer a quem? Quais as políticas públicas existentes? E o acesso às que existem como ocorre? Adélia ficou abandonada à própria sorte e se converteu numa moradora de rua. Engravidou, teve a criança, que é Fred, não se sabe quem é o pai e acredito que a própria Adélia também desconhece, visto o estado de inconsciência que as drogas lhe provocam. Com o tempo, o Conselho Tutelar da cidade recolheu Fred e foi autorizado pela genitora no sentido de dar a criança. Fred entrou em processo de adoção, teve uma primeira, mas durante o período de adaptação a família o devolveu achando muito difícil a convivência. Fred como menino de rua tinha liberdade plena e não admitia ser contrariado e tolhido em suas vontades. Voltou à casa de acolhimento. Com dois meses o casal Teresa e Vera entrou com o processo de adoção de Fred. São pessoas de nível superior, possuem estudos, recursos financeiros e estão cientes da problemática a enfrentar. Encontra-se em período de adaptação que já dura 4 meses. É acompanhado por psicóloga, pediatra, nutricionista e uma pedagoga. Cercado de cuidados pelas mães e avó, de atenção e carinho, dispõe na sua residência infraestrutura confortável que lhe proporciona lazer e atende as suas necessidades.
Durante esse processo, na Vara de Menores, Teresa e Vera procuraram conhecer a mãe biológica, ofereceram para ela o tratamento que precisava para sair daquela vida de rua, mas ela resistiu e mostrou-se irredutível, pois queria continuar afirmando: “ o que vocês podem fazer por mim como mais importante é tomar conta de meu filho e se responsabilizar por ele”. Assim concluiu o encontro.
O abandono é visto como uma forma grave de descuido, que aponta para o rompimento de um vínculo apropriado dos pais para com os seus filhos, submetendo as vítimas ao desleixo e a sofrimentos físicos e psicológicos, em detrimento ao que determina o Estatuto da Criança e do Adolescente que garante a toda Criança plenos direitos e condições condignas.
Ao falar da criança, sobre qualquer aspecto, é por demais importante considerar a fragilidade deste ser em formação que necessita uma gama de cuidados e que merece toda a atenção da família e dos poderes públicos. Essa problemática desponta no século XVIII quando os valores morais eram muitos arraigados e não se admitia que uma mulher solteira engravidasse. Se isto ocorria não havia outra opção para mulher se não abandonar o que estava lhe causando constrangimento. Diferente dos outros seres vivos necessita de cuidados e é totalmente dependente daqueles que estão em seu entorno, para que garantam sua sobrevivência. Os hábitos e costumes deverão ser aprendidos para que possa integrar-se ao mundo civilizatório construído pelo homem no estabelecimento de regras de vivência e convivência. O desenvolvimento desse processo de aprendizagem demora anos. A criança representa o maior patrimônio de uma nação. O “ECA” (Estatuto da Criança e Adolescente) criado em 13 de julho 1990, através da Lei nº 8.069, surge para disciplinar a proteção integral da criança e adolescente, garantindo desenvolvimento moral, físico, social e mental, o direito à vida, à saúde, à alimentação, ao lazer, à profissionalização, à educação, à cultura à dignidade, ao respeito, à convivência familiar e comunitária. O “ECA” reconhece a família como célula estrutural da sociedade. São consideradas crianças até 12 anos incompletos e adolescentes indivíduos de 12 a 18 anos. Os Conselhos tutelares foram implantados para zelar pelo cumprimento dos direitos das crianças e adolescentes. Ao debruçarmos sobre a situação brasileira, ficamos estarrecidos com a estatística apresentada sobre a problemática social que parece invisível, quando se identifica o grande número de casos, de negligência infanto-juvenil e a pouca atenção dos poderes públicos. O abandono familiar ocorre de diversas formas, desde o recém-nascido abandonado nos lixões das ruas e outros por negligencia familiar, violência doméstica, destacando os abusos físicos, sexuais e emocionais. Os filhos vítimas do abandono são retirados do seio da família e jogados em abrigos muitas vezes inapropriados ou menos adequados para cada tipo de problema e caso. Por mais que haja um esforço das instituições acolhedoras dessas crianças não irão substituir o aconchego familiar. Estudos revelam que as crianças submetidas a essas condições sofrem efeitos danosos sobre a construção cognitiva e sócio afetiva. Nesse caso a criança não tem segurança pois na maioria das instituições acolhedoras lhe falta sobretudo o principal-o amor.
Apesar do Brasil ser um dos primeiros países do mundo a se preocupar com as crianças e os adolescentes, criando leis e todo aparato legislativo de suporte legal, evidencia-se que muitas dessas leis não são respeitadas nas mais diversas regiões do país. Uma característica dessa contradição é o grande número de casos de abandono, constituindo um problema social dos mais graves.
A problemática do abandono abrange todos os aspectos sociais. De acordo com o artigo 134 do Código Penal, o responsável por abandonar uma criança pode receber uma pena de detenção de 6 meses a 3 anos e segue um monte de normas disciplinares. A legislação brasileira é vasta, porém, mostra-se pouco eficiente, porque não sai do papel para a ação. Basta, por exemplo, passarmos em um semáforo aqui em Joao Pessoa, aquele que fica na esquina do Mac Donald com o Mercado do Artesanato, em Tambaú, para se constatar famílias inteiras com filhos de colo e de todas as idades mendigando. Está estampado para que todos vejam. Quando não estão a pedir, adolescentes se expõem e se sujeitam a todo tipo de exploração. Esses adolescentes deveriam passar a incorporar outro tipo de formação. Onde buscar? No contato com a rua? O que lhe é oferecido? Às vezes acontece de serem recolhidos à casa de acolhimento. Como exemplo, temos aqui em Joao Pessoa, para quem quiser ver e tomar conhecimento da problemática real e cruel, a “Casa dos Filhos da Misericórdia”, local em que o padre da paróquia desenvolve um trabalho social junto com irmãs missionárias, numa obra meritória de importância incalculável. Pergunto: Onde estão as autoridades que não fazem cumprir as leis? E o Ministério Público para tomar as providências? Por outro lado, há políticos que defendem o aborto em vez de defenderem as leis em vigor oriundas do próprio legislativo. Será o aborto a solução? Em aceitando o aborto vamos diminuir ou minorar a situação? Repete-se, o problema é estrutural e conjuntural da sociedade. Alguma coisa há de ser feita. A quem cabe? O que falta é vontade política. As ações tomadas são precárias, incipientes, paliativas e apenas produzem uma maquiagem, mas não afetam o amago da questão. Como o caso da adoção de Fred. Solução pontual. Menos mal, porque é um entre milhares que teve sorteado o seu destino, pela sensibilidade de pessoas que se dispuseram a doar-se e oferecer amor e dignidade a quem tanto precisa. Tudo se acomoda. Então, adota-se uma posição de conforto e nada muda o cenário, embora que esses questionamentos continuem presentes, integrando as narrativas políticas, sem que se realize as ações que o contexto requer. Até quando esta situação vai continuar? Só Deus sabe.
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TURISMO - 19/12/2024