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Jornalista paraibano, sertanejo que migrou para a capital em 1975. Começou a carreira  no final da década de 70 escrevendo no Jornal O Norte, depois O Momento e Correio da Paraíba. Trabalha da redação de comunicação do TJPB e mantém uma coluna aos domingos no jornal A União. Vive cercado de livros, filmes e discos. É casado com a chef Francis Córdula e pai de Vítor. E-mail: [email protected]

O amor de volta

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publicado em 11/06/2023 às 08h27

 

O filme “Seu Amor de Volta – (mesmo que ele não queira)”, de Bertrand Lira, é sensacional. As histórias reveladas no furtivo espaço das imagens, lembram (des)contamentos. A escuridão nos leva para os quadros de Caravaggio. Um filme quase todo feito à luz de velas.

Relatos contundentes, cheios de cenas reais, quando os atores parecem que estão na plateia e vão entrando na tela e se aproximam do propósito do diretor, de questionar a obsessão dos humanos por amor. E o amor ali parece bem mais frio que morte. É impressionante essa indagação revelada ao extremo e o documentário de forma mais tão incisivo, pelo que é sugerido.

As cenas que ilustram a inquietação de Bertrand estão protagonizadas pela atriz trans paraibana Danny Barbosa, que representada desejo e dor, na busca por uma relação estável, que não existe, nem existirá. A moça impressiona não apenas por sua fala e interpretação na precisão da vida, como também pela coragem de se colocar vulnerável em frente às câmeras, evitando traumatizar sua história. É preto no branco.

Se uma história puxa outra, o ator William Muniz, tem seu brilho intenso, mais real impossível, além, claro de Afrovalter, Pai Júlio, Mãe Severina e Pai Nelito, que não trazem o amor de volta, mas apontam caminhos  e elevam o documentário, tanto na forma, quanto no clímax que, certamente, ainda será buscado por zil anos. Será que o amor volta? Ou será que é só sexo?

Zumbindo em seus instantes de glória, a cena final em que o trans canta a canção “Garota Solitária” de Adelino Moreira, sucesso na garganta de Ângela Maria, é um escândalo: “Será que eu sou feia? Não é, não senhor! Então eu sou linda? Você é um amor”, mas o filme não termina nunca.

A trans Danny B mostra as vibrações no encontro com a cartase mais e mais espessa, até na cena em que aparece Corrinha Mendes e o mestre Buda Lira – uma beleza que não finda.

Vá ao Cine Banguê conhecer a histórias de vidas que ainda não passaram na sua Timeline, num  pronto para a vigília, os delírios e devaneios que o Gênero Humano é capaz de sobreviver. E não há mistério. É um filme quente, que tem até uma cena de sexo em curso.

Pois bem, cada depoimento, feito  num par de olhos turvados em excesso e, no entanto, as personagens estão vivas e vão permanecer assim, mesmo depois do fim. A atriz Marcela Cartaxo  aparece no auto da sua postura mulher solitária, jamais a macabéa de Clarice Lispector. Jamais.

Na paisagem, a atriz Zezita Matos, falando da perda do amor, seu marido Breno, separação de corpos e no juízo final, sim ela é uma paisagem, sempre um pressentir o início, o meio e fim, que há nesse tronco de vida, esses braços e pernas, nesse rosto boca e narinas, ao revelar a perda do grande amor Breno, num silêncio ensurdecedor bem antes de perdê-lo em definitivo. É a estrela solitária desse encontro, mas é bonito demais.

O trans em seu posto, cada qual brilha a gosto, histórias bem cruéis de amores perdidos na vida, na calçada e no baile, que uma pessoa enfrenta para sentir um pouco do gozo. É demais. É demais esse filme de Bertrand Lira.

Búzios, cartas, banhos e pontos do candomblé, tudo está no filme, com tanta intensidade fincado em cruzes em toda pele e há uma premência, em toda vida um engano, um corpo querendo gozo, uma alma aflita em seus ciclos, mas o filme não é uma ilusão, é um espelho, não é uma ponte, é arte do desencontro, uma decisão, é o amor, que já um pouco de saúde.

Kapetadas

1 – Quem é capaz de preparar sua própria comida dá mais atenção ao apetite que à fome.

2 – Ah, bons tempos aqueles em que se dizia “Tudo vai dar certo!” e, às vezes, dava.

* Os textos dos colunistas e blogueiros não refletem, necessariamente, a opinião do Portal MaisPB