João Pessoa, 11 de junho de 2023 | --ºC / --ºC Dólar - Euro
O filme “Seu Amor de Volta – (mesmo que ele não queira)”, de Bertrand Lira, é sensacional. As histórias reveladas no furtivo espaço das imagens, lembram (des)contamentos. A escuridão nos leva para os quadros de Caravaggio. Um filme quase todo feito à luz de velas.
Relatos contundentes, cheios de cenas reais, quando os atores parecem que estão na plateia e vão entrando na tela e se aproximam do propósito do diretor, de questionar a obsessão dos humanos por amor. E o amor ali parece bem mais frio que morte. É impressionante essa indagação revelada ao extremo e o documentário de forma mais tão incisivo, pelo que é sugerido.
As cenas que ilustram a inquietação de Bertrand estão protagonizadas pela atriz trans paraibana Danny Barbosa, que representada desejo e dor, na busca por uma relação estável, que não existe, nem existirá. A moça impressiona não apenas por sua fala e interpretação na precisão da vida, como também pela coragem de se colocar vulnerável em frente às câmeras, evitando traumatizar sua história. É preto no branco.
Se uma história puxa outra, o ator William Muniz, tem seu brilho intenso, mais real impossível, além, claro de Afrovalter, Pai Júlio, Mãe Severina e Pai Nelito, que não trazem o amor de volta, mas apontam caminhos e elevam o documentário, tanto na forma, quanto no clímax que, certamente, ainda será buscado por zil anos. Será que o amor volta? Ou será que é só sexo?
Zumbindo em seus instantes de glória, a cena final em que o trans canta a canção “Garota Solitária” de Adelino Moreira, sucesso na garganta de Ângela Maria, é um escândalo: “Será que eu sou feia? Não é, não senhor! Então eu sou linda? Você é um amor”, mas o filme não termina nunca.
A trans Danny B mostra as vibrações no encontro com a cartase mais e mais espessa, até na cena em que aparece Corrinha Mendes e o mestre Buda Lira – uma beleza que não finda.
Vá ao Cine Banguê conhecer a histórias de vidas que ainda não passaram na sua Timeline, num pronto para a vigília, os delírios e devaneios que o Gênero Humano é capaz de sobreviver. E não há mistério. É um filme quente, que tem até uma cena de sexo em curso.
Pois bem, cada depoimento, feito num par de olhos turvados em excesso e, no entanto, as personagens estão vivas e vão permanecer assim, mesmo depois do fim. A atriz Marcela Cartaxo aparece no auto da sua postura mulher solitária, jamais a macabéa de Clarice Lispector. Jamais.
Na paisagem, a atriz Zezita Matos, falando da perda do amor, seu marido Breno, separação de corpos e no juízo final, sim ela é uma paisagem, sempre um pressentir o início, o meio e fim, que há nesse tronco de vida, esses braços e pernas, nesse rosto boca e narinas, ao revelar a perda do grande amor Breno, num silêncio ensurdecedor bem antes de perdê-lo em definitivo. É a estrela solitária desse encontro, mas é bonito demais.
O trans em seu posto, cada qual brilha a gosto, histórias bem cruéis de amores perdidos na vida, na calçada e no baile, que uma pessoa enfrenta para sentir um pouco do gozo. É demais. É demais esse filme de Bertrand Lira.
Búzios, cartas, banhos e pontos do candomblé, tudo está no filme, com tanta intensidade fincado em cruzes em toda pele e há uma premência, em toda vida um engano, um corpo querendo gozo, uma alma aflita em seus ciclos, mas o filme não é uma ilusão, é um espelho, não é uma ponte, é arte do desencontro, uma decisão, é o amor, que já um pouco de saúde.
Kapetadas
1 – Quem é capaz de preparar sua própria comida dá mais atenção ao apetite que à fome.
2 – Ah, bons tempos aqueles em que se dizia “Tudo vai dar certo!” e, às vezes, dava.
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OPINIÃO - 22/11/2024