João Pessoa, 14 de junho de 2023 | --ºC / --ºC Dólar - Euro
Faz parte de minha rotina visitar regularmente os sebos de minha cidade. Os livros usados me atraem. Quanto mais antigos, melhores. As primeiras edições, então, me são um mimo, uma dádiva. Edições bilingues, edições críticas, volumes que integram certas coleções e outras particularidades que tocam a carência de um bibliófilo, tudo contribui para o prazer inesgotável da aquisição.
Ontem fui à matriz do Sebo Cultural, lá na Avenida Tabajara, fazer minha pequenina festa. Adquiri livros de Gastão de Holanda, Fábio Lucas e Francisco de Assis Barbosa. Tenho essa mania: a de comprar livros pela referência do autor (mais ou menos assim, como assistir a filmes em função do ator ou do cineasta). Mas também os livros me interessam por outros pormenores que considero essenciais.
Por exemplo, Gastão de Holanda, escritor pernambucano, foi um dos fundadores de “O gráfico Amador”, prensa manual que funcionou por quase oito anos no Recife, dando a lume nomes e obras de fundamental importância, além de ter criado a editora Fontana e a revista São José. Estes elementos me importam muito. O atlas do quarto, da editora Fontana, com capa e projeto gráfico do próprio autor, dedicatória impressa a José Midlin e epígrafe de Valéry, constitui uma boa mostra de seus poemas. A este exemplar juntei o romance A breve jornada de D. Cristobal (José Olympio, 1985), dedicatória impressa a Luís Pandolfi, Lourdes Ribeiro e Geraldo Edson Ferreira da Silva. O motivo decisivo que me fez trazê-lo, junto com o outro, foi a dedicatória manuscrita ao poeta Sérgio de Castro Pinto.
Dedicatórias manuscritas são um dos meus fetiches livrescos. Possuo uma edição de Intérpretes da vida social, de Fábio Lucas, mineiro, economista e crítico literário. Não obstante, vejo-me, agora, com outra, na verdade, a mesma, da Imprensa Oficial de Minas, de 1968, só por causa da dedicatória manuscrita a Pessoa de Morais, datada de 1994.
Leitor curioso, fico imaginando, por trás dessas dedicatórias, os diversos aspectos das relações, afetivas ou não, entre os escritores e poetas, no tecido informe e complexo da vida literária. A estima, a admiração, o respeito, a ironia, o ressentimento, as farpas, o deboche, a gratidão, a desforra, o poético e tantas outras categorias da vida psíquica perpassam esses sutis paratextos que integram o corpo dos livros.
De Francisco de Assis Barbosa, paulista de Guaratinguetá, biógrafo, ensaísta, crítico literário, comprei duas pequeninas preciosidades: Achados do vento, numa edição do Ministério da Educação e Cultura∕Instituto Nacional do Livro, Coleção Biblioteca de Divulgação Cultural Série A, de 1958, e Manuel Bandeira: 100 anos de poesia: síntese da vida e obra do poeta maior do Modernismo (Recife: POOL. Editores e Agentes Literários S. A., 1968).
“Como se hão de arrecadar e arrematar as coisas do vento”, eis a epígrafe do primeiro livro, extraída das Ordenações, Livro III, Título XCIV. Atendendo ao espírito crítico e exegético da Coleção, o autor estuda e esmiúça ângulos curiosos da obra e da personalidade de Manuel Bandeira, Graciliano Ramos, Lima Barreto, José de Alencar, Hipólito José da Costa e Domingos Caldas Barbosa.
Manuel Bandeira: 100 anos de poesia me toca, não somente pelo conteúdo biográfico e analítico de suas páginas, a dedicatória impressa a Edson Nery da Fonseca (“irmão em Manuel Bandeira”), pelas epígrafes de Carlos Drummond de Andrade (“O poeta melhor do que todos nós, o poeta mais forte”) e do próprio Manuel Bandeira (“Francisco de Assis Barbosa, meu biógrafo bem amado e bem informado”), mas também, especialmente, pelos componentes gráfico-visuais. Além das fotos de família, valorizam muito a edição as caricaturas do poeta feitas por Guevara e Foujita, os desenhos e bicos-de-pena de Cícero Dias, Joanita Blank, Portinari, Scliar e Luís Jardim.
Mas não fiquei por aí. Ainda pus na sacola alguns títulos de Carlos Heitor Cony (crônicas e romances); de Josué Montello (alguns ensaios); de Antônio Olinto (poesia e ficção); de Luís Viana Filho (biografias); de Benedito Nunes e Ernani Reichman (ensaios filosóficos e estéticos). Poetas, críticos, ensaístas, ficcionistas e biógrafos que ilustram, com o peso e o brilho de suas respectivas criações, o acervo da literatura brasileira.
Já em casa, o melhor é fazer a leitura de reconhecimento. Planejar os dias e as horas de leitura à sombra das estantes. Descobrir, pensar e fruir as ofertas que cada livro distribui pelo encanto de suas páginas.
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TURISMO - 19/12/2024