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Clara Velloso Borges é escritora, professora de literatura e mestranda em Estudos Literários pela Universidade Federal de Minas Gerais. E-mail: [email protected]  

Vícios letais

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publicado em 16/06/2023 ás 07h00
atualizado em 15/06/2023 ás 19h01

Perseguir a felicidade em um dia frio exige certa obstinação, um vício em viver. Ela não vem naturalmente, em um estalo de tranquilidade, porque até levantar da cama é antinatural com a temperatura baixa. O chuveiro esquenta, o carro rodaria mais se fosse uma canoa. E após sobreviver a um dia de trabalho, se você encarar sair e sentar na calçada de um restaurante charmoso, há um obstáculo extra: os fumantes.

Limitada ao meu mundinho, considerava os maços de cigarro vendidos em bancas de revistas e padarias elementos meramente decorativos. Acreditava que ninguém mais fumava – talvez Vape, talvez drogas mais pesadas, mas nunca tabaco. Contudo, no dia frio em que se persegue a felicidade, um dos últimos três tabagistas do Brasil coloca o isqueiro em prática na mesa ao lado, empestando sua roupa, sua comida e cheiro do seu cheiro.

Para quem não fuma, com uma educação calcada em campanhas antitabagistas, o cigarro só tem charme na arte. As propagandas de TV, afinal, foram proibidas. Resta Manuel Bandeira acendendo um cigarro e pensando na vida e nas mulheres que amou. E a tragada literária, mesmo silenciosa e inodora, desacompanhada do tenebroso pigarro, não parece tão atraente.

Na mesa ao lado, o rapaz dizia que o cigarro o aquecia, que preenchia seu tempo, que ocupava suas mãos, que enchia seus bolsos. Que aquele maço de Camel azul seria o derradeiro. Ceci n’est pas une pipe. E com o cigarro na boca, o isqueiro falhando, me inundando de esperança de um sossego no fim da noite, foi desestimulado pelo colega, que disse como se fosse Augusto dos Anjos: “Toma um fósforo, acende teu cigarro.”

Dos vícios que gastam a saúde, é melhor perseguir a felicidade.

* Os textos dos colunistas e blogueiros não refletem, necessariamente, a opinião do Portal MaisPB