João Pessoa, 18 de junho de 2023 | --ºC / --ºC Dólar - Euro
Em “Positivismo”, música irônica e bem-humorada sobre um relacionamento amoroso frustrado, Noel Rosa diz que “A verdade, meu amor, mora num poço”. Ouso discordar desse que, para mim, de longe, é o maior e mais genial compositor da música popular brasileira. A discordância não é com relação à reconhecida genialidade do poeta da Vila, mas porque tomo a letra de sua música como pretexto para falar de outra entidade, esta, sim, habitante dos poços: a Inveja.
Sim, a Inveja, cavilosa por natureza, mora na escuridão, se esconde em poços funéreos, cresce e age às escondidas. Essa terrível divindade pagã mora nos subterfúgios das fossas, juntamente com seus filhos, Vício, Conluio, e suas filhas Mentira, Bajulação, Vaidade, Maledicência, Hipocrisia, Covardia e Traição.
O poeta Ovídio, em seu grande poema Metamorfoses, a caracteriza como ninguém (Livro II, 761-781):
“Sua morada é coberta de negra sujeira pustulenta, escondida em profundo vale, carente de sol, sem vias de vento, sombria e plena de um frio indolente, sempre ausente de fogo, sempre abundará de trevas; comendo a carne de víboras, alimenta seus vícios; para nada olha reto, seu íntimo destila fel verde, tem a língua impregnada de veneno, vendo com despeito o triunfo dos seres humanos” (versos 769-781).
Escondida, por repugnante, a Inveja deixa que uma das suas filhas trabalhe para ela: a Vaidade fátua, que, contrariamente à mãe, prefere se mostrar, buscando a luz da idolatria, agindo sempre com as sinuosidades próprias dos esgotos miasmáticos, infiltra-se e mina as bases daqueles que, enganados pela sua fala melíflua, se deixam seduzir, sem pressentir o golpe que está por vir. Querendo brilhar sozinha, A Vaidade joga a sombra da Maledicência e da Covardia, usando a Mentira para apagar a luz que ofusca a Inveja, a sua mãe. Na sua mente deletéria, ela tem que caminhar sob os tapetes vermelhos da Bajulação, para que a Hipocrisia dê o espaço à Falsidade e esta à Covardia, tecendo a trama da Traição.
Coitada! Para dar sustentação à Inveja, a quem tanto deve, a Vaidade tem de abrir a sua roda colorida de pavão, mas sempre deixa de fora os pés horríveis, que não pode esconder.
Já a Verdade, divindade sem subterfúgios, é sol que paira sobre todos nós, clara, transparente, translúcida, que, ao primeiro momento, cega quem sai das trevas, e só se deixa perceber, quando nos acostumamos com a sua luz e estamos dispostos a vê-la e segui-la.
Os demais, que se recusam ao seu chamado, continuarão vivendo miseravelmente, roídos pelos serviços nocivos da Inveja, a que, vilmente servem.
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TURISMO - 19/12/2024