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Poeta, escritor e professor da UFPB. Membro da Academia Paraibana de Letras. E-mail: [email protected]

Clemente faz o seu balanço!

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publicado em 28/06/2023 ás 07h00
atualizado em 27/06/2023 ás 21h06

 

“{…} o presente é lábil e o futuro é incerto. Paradoxalmente, só o passado tem permanência, como matéria de memória e sentimento”, assegura Clemente Rosas, em breve prefácio a Sonata de outono (João Pessoa: Sal da terra, 2022), coletânea de textos caracterizados como perfis, causos, memórias, crônicas, artigos e ensaios.

Eu mesmo já disse, num soneto de A comarca das pedras, que o passado não passa. E T. S. Eliot, por sua vez, elege uma tradição para configurá-lo, o passado, dentro da corrente da história, convicto de que, esteticamente, sem o passado somos nada. Mas, diria, não só esteticamente. Somos nada, sim, na trajetória de nossas vidas, se não temos o passado, suas experiências, seus ensinamentos, seu acervo existencial que nos modula e nos faz ser o que somos.

Lendo o livro de Clemente Rosas, (foto) penso em tudo isto, porque seus escritos, de natureza retrospectiva, leva-me à geografia indispensável da memória como um pequenino tesouro de referências e como uma das categorias da consciência mais fértil para o processo de criação, para a formulação do pensamento e para o registro seletivo da dor e da alegria das coisas que passaram.

O título, “Sonata de outono”, ele próprio justifica, considerando o caráter polifônico da peça musical e a transparência da metáfora, “outono”, que remete à longevidade dos anos vividos. Por isto mesmo, a obra se impõe como um balanço, ao mesmo tempo intelectual e emotivo, daquilo que o autor leu, vivenciou, aprendeu e refletiu ao longo de sua de vasta experiência diante das ofertas da vida. Quer nas suas incidências de ordem econômica, política e social, quer no ângulo mais específico dos temas filosóficos, estéticos e literários.

Organizado em 9 capítulos (“Eu e eles”, “Causos Paraibanos”, “Memórias da Caserna”, “Ensaios Irreverentes”, “Artigos Filosóficos”, “Artigos Políticos”, “Crônicas de Viagens”, “Crônicas Históricas” e Crônicas Avulsas”), o livro provavelmente resume a pluralidade de interesses cognitivos que desafia o escritor, também diria o pensador, sempre atento à particularidade de certas ideias, ao ethos de algumas personalidades, ao pitoresco de certos tipos, à singularidade de certos fenômenos, ao peso de muitas recordações, à força do cotidiano representado por assuntos e motivações variadas. Tudo a compor uma espécie de painel, também polifônico e multivocal, de inegável valor histórico, antropológico e político, tanto em âmbito individual, fruto de uma mentalidade crítica e de uma sensibilidade privilegiada, quanto ao que concerne à matéria coletiva em suas diversificadas direções temáticas.

Em “Eu e eles”, subtítulo de sabor americista, se não temos, a rigor, o perfil enquanto gênero jornalístico por excelência, temos, no entanto, notações breves e traços curiosos de alguns notáveis que, de um modo ou de outro, compõem a esfera admirativa e o espaço de gratidão do autor que com eles conviveu em circunstâncias especiais. Destaco, entre outros, Miguel Angel Astúrias, San Tiago Dantas, Alcides Carneiro, Ariano Suassuna e Celso Furtado.

Nos “Causos Paraibanos”, relevam-se certos acontecimentos da pequena história, assim como as idiossincrasias de certas figuras que habitam o imaginário social e que plasmam toda uma mitografia singular, a exemplo de, entre tantos, Mané Caixa D `Água, Mocidade e Zé Banana. A experiência em meio à disciplina militar da juventude é narrada em “Memórias da Caserna”, a que se segue o capítulo “Ensaios Irreverentes”, de teor mais meditativo, e cujo temário gira em torno da literatura, da educação, da crítica e do cinema.

Sem desmerecer a importância dos textos que se inserem nos “Artigos Políticos”, nas “Crônicas de Viagens” e nas “Crônicas Históricas”, todos vazados em estilo claro, fluente e calcados numa percepção sempre curiosa e aguda dos fatos, chamam-me a atenção, em Sonata de outono, sobretudo, os capítulos “Ensaios Filosóficos” e “Crônicas Avulsas”.

No primeiro, vejo sobretudo a figura do pensador, do leitor e estudioso afeito aos temas filosóficos e, já a esta altura da vida, despido das ilusões conceituais, predisposto aos sortilégios da revisão crítica e sem nenhum temor de assumir suas posições teóricas com convicção, porém, sem soberba nem dogmatismos. Ensaios como “O sentido da Vida”, “Ciência e Religião” e “Mitologias Modernas” esclarecem muito o que quero dizer.

No segundo, de estilo mais leve, subordinado, portanto, aos imperativos líricos da crônica de gosto literário, ainda que permaneça certo viés reflexivo em algumas peças, é o escritor, em si, no trato da palavra e no exercício do olhar afetivo sobre as coisas, que aparece na força e no esplendor da escrita. Uma escrita que imprime unidade subjacente à multiplicidade dos motivos, que torna homogênea a sua fala e que se deixa invadir, aqui e ali, pelas luzes sinuosas da energia poética. “Amigos alados”, “Em algum lugar do passado”, “Mar, o grande amigo”, “O sorriso no elevador” e, principalmente, “Velho, eu?”, dão testemunho desta verdade vocabular.

Com formação em direito e economia, homem de esquerda na juventude, procurador geral da SUDENE, Clemente Rosas publicou os seguintes livros: Praia do Flamengo 132 (memórias políticas), Coco de roda (ensaios políticos-filosóficos), Administração e planejamento e Lira dos anos dourados, esta, uma coletânea de seus poemas e documento essencial de sua participação na Geração 59, ao lado de poetas, como Vanildo Brito, Jomar Morais Souto, Luiz Correia e Tarcísio Meira César.

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