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Jornalista, cronista, diácono na Arquidiocese da Paraíba, integra o IHGP, a Academia Cabedelense de Letras e Artes Litorânea, API e União Brasileira de Escritores-Paraíba, tem vários publicados.

Como se fosse  meu pai  

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publicado em 05/07/2023 às 07h00
atualizado em 04/07/2023 às 16h13

 

 

         Quando meu pai ficou em Tapuio, eu fui em busca de alguma coisa no mundo distante. Andei, virei e mexi, e quanto mais andei, mexi e virei, mais tornei a voltar em busca do menino que fui e que continua a morar nas encostas e veredas do meu lugar.

         Como não encontrava mais meu pai, que ficou em nosso sítio, busquei amigos que me dessem o amparo e a benção a cada reencontro. Diziam-me que somente temos uma mãe, o que realmente posso constatar, mas pai, além do que nos possibilitou nascer, outros encontramos em nossa caminhada.

         Sempre retornei para encontrar meu pai que ficou quando eu fui tentar ser outra pessoa, mesmo que o menino nunca tenha se afastado do seu sítio. De papai ficou a saudade das conversas que contava ao pé do balcão, das histórias de sua gente e do seu passado. Recordo na saudade, esse passado e essa gente. Uma saudade que se alegra, quando me encontro bisonho.

         Busco o menino a cada retorno ao lugar de onde parti, tentativa vã de encontrar o garoto que ali ficou, como canta o poeta Fernando Pessoa.

         Vejo nessas lembranças a tentativa de revelar o que me apega ao pai afável, a quem hoje recorro para afastar a saudade daquele que ficou no sítio.

         Quando ainda escutava a voz daquele que ficou em Tapuio, revelada nas conversas salteadas em nossos encontros, descobri alguém que trouxe alento com sua voz de poesia. Nathanael Alves me deu o espaço de sua casa como agasalho e o livro como acalanto. Tentei recolher o melhor daquele terraço e dos livros que colocou em minhas mãos, o que me tirou do banzo e da distância em que se encontravam os meus antepassados, que já eram saudade.

         O tempo passou e outras saudades chegaram, me deixando órfão.

         Mas como ficar órfão se comigo caminha o amigo que me recolheu como um filho, com sinceridade e afeto. Sou o filho que encontrou um outro pai que consola com palavras amigas, seus abraços e seus livros, e aponta caminhos onde encontro o menino que fui. Seja no olhar ao passado ou na poesia que encanta e renova a alma.

         Quando completa 90 anos, olho para Gonzaga Rodrigues tentando descobrir o que levou este homem a me olhar como um pai. Há mais de quatro décadas dando guarida e prumo ao meu modo de viver. Nada estremeceu ou desmanchou nossa amizade, nem ele me tratou com bruteza.

Quando pensava que meu pai, José, distante, já não se revelava com suas palavras nem em meus sonhos, e Nathanael não mais estava com sua mão amiga, encontrei Gonzaga com seu gracejo diversificado, que recompôs a sombra dos dois antes queridos, para os quais revelava minhas ansiedades.

         Dos três pais que eu tive, o biológico quase sem biografia que abriu estreitos horizontes para mim e os dois adotivos recolhidos na amizade pela Arte, todos carinhosos para com minhas fraquezas, revelados em suas palavras e gestos, posso dizer que é para Gonzaga que agora estendo a mão para a aspersão silenciosa com as pétalas douradas do mais puro ouro.

Gonzaga nunca foi esquisito para com ninguém. Sempre está com sua infatigável vigilância para afastar a dor e o desprezo aos excluídos.

         Ele é como um pai. Não poderia ser diferente porque entre nós, na relação de amigos, somente tem acenos de fidelidade e compreensão mesmo quando nossos pontos-de-vista são divergentes, embora poucos. Isso porque temos o mesmo olhar para o mundo das beiradas das serras e dos córregos do Brejo onde nascemos, onde ficaram pessoas que acreditam na terra. Essa terra que tem suas veias à mostra, eriçadas na noite enquanto são lustradas pela luz do luar. Terra que ficou grudada em nossos pés e em nossas mãos, para nos fazer meninos em busca do que ficou em Alagoa Nova e Serraria, depois de pouco ter sido por onde andamos.

         Cada um com seu tempo, ele e eu, sempre estamos em busca de descobrir no facho de luz projetado nas valas da nossa mente, os fatos marcantes de nossa infância. Sempre tentamos reconstruir o menino que ficou em nossos lugares.

* Os textos dos colunistas e blogueiros não refletem, necessariamente, a opinião do Portal MaisPB

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