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Professora Emérita da UFPB e membro da Academia Feminina de Letras e Artes da Paraíba (AFLAP]. E-mail: [email protected]

  O meu conhecimento de José Américo

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publicado em 13/07/2023 ás 12h11

Ao falar sobre o Ministro José Américo de Almeida, destaco seu valor intelectual e a importância que teve e tem para o mundo das letras, como escritor, político, romancista, ensaísta, poeta, cronista, advogado, folclorista e sociólogo. Seus atributos foram cantados e decantados por muitos estudiosos, pesquisadores e escritores renomados da literatura brasileira. Ressaltaram a relevância da sua obra e de seu legado, o que é amplamente publicado. Nesse relato quero colocar minha visão pessoal, pequena e modesta sobre o contato físico e intelectual que mantive com ele.

O meu conhecimento de José Américo de Almeida aconteceu no ambiente doméstico, pois o casal era muito conhecido dos meus pais.  Desde pequena ouvia falar sobre ele e o meu imaginário o fazia como na verdade o era, um homem muito poderoso, influente e importante na Paraíba.  Meu pai, ao referir-se a ele, o fazia com respeito e admiração, como também à dona Alice sua esposa.  Escutava mamãe dizer: “ dona Alice é uma criatura generosa que ajuda a pobreza”.  Ao falar de José Américo vou utilizar a lupa, de meu pai, do meu esposo e a minha própria.

Com relação a meu genitor, engenheiro Serafim Rodriguez Martinez, lembro que vivenciei dois momentos bem nítidos de seu relacionamento com José Américo, governador do Estado: primeiro, quando foi designado  membro executivo da comissão encarregada de dar aplicação aos recursos de emergência recebidos do governo da União, em outubro  de 1952, quando assolava a grande seca no Nordeste brasileiro, constituindo o maior fenômeno devastador da história do Brasil, diante do prolongado índice  pluviométrico abaixo do esperado. Tinha oito anos e recordo seus comentários que eram feitos nas horas de refeição e preocupações com os despachos e as providências a serem tomadas. Em outro momento, meu pai, diretor da Escola de Engenharia, juntamente com outros coadjuvantes que faziam parte de movimentos classistas liderados por entidades representativas desses grupos, batalhou para a criação da universidade, isto em 1953, época de maior efervescência da implantação de novos cursos superiores, José Américo teve participação decisiva. Conta-nos Lopes de Andrade, seu chefe da Casa Civil, que no penúltimo dia de governo, antes de sua partida para o Rio às 20 horas, a chamado de Getúlio para assumir pela 2ª vez o Ministério da Viação e O. Públicas, assinou o Projeto e a Mensagem criando a Universidade da Paraíba, encaminhados no dia seguinte à Assembleia Legislativa. Foi assim plantada a semente da Universidade pública estadual paraibana. Nessa época, também em função da pressão do mercado, surgiam as Escolas Superiores de Enfermagem e Medicina. Outro fato que merece registro e que demonstra o apreço que José Américo tinha pelo meu pai foi quando recebeu das suas mãos, ele ex-reitor, a Medalha do Mérito Educativo, em 1971, em solenidade no auditório da reitoria da UFPB durante o fórum da Assembleia Universitária.

Com relação ao meu esposo, contou-me sua história de admiração ao Ministro José Américo de Almeida, desde aluno concluinte do Liceu Paraibano, em 1955, ele concluindo seu mandato como Governador do estado. Na ocasião, Itapuan era tesoureiro da turma. Em comissão, os concluintes foram ao Palácio comunicá-lo de que fora escolhido paraninfo. Logo ele foi dizendo: “O que vocês querem, meninos, de mim? ” Vossa Excelência é o nosso paraninfo. Explicaram que a turma tinha previsto uma viagem à cidade de Salvador-BA.  Ele expressou: “ Certo, então vou autorizar uma ajuda em dinheiro e arranjar um ônibus, e quando chegarem lá, vocês podem procurar o Secretário de Finanças, que é um paraibano e muito amigo, Lafaiete Coutinho, político e médico e vai lhes dar apoio”. E assim aconteceu. Os estudantes procuraram o Secretário das Finanças, que lhes deu uma ajuda de 5 mil cruzeiros, numa rapidez nunca vista, isto porque o tempo de permanência em Salvador era de três dias, aliviando com isso os encargos do pagamento da hospedagem. Ficaram numa pousada modesta para estudantes. Com três dias estavam de volta e depois fizeram outra visita a José Américo, para agradecer.

A outra ocasião do novo encontro de Itapuan com José Américo, eu já era sua esposa e ele diretor da ETFPB. Luzia Simões Bartoline, musicista, regente de coral e professora da escola, aposentada, mas colaboradora emérita, como chefe do Caixa Escolar e secretária do Conselho Diretor, tinha uma amizade e gozava da intimidade de José Américo, o convidou a fim de que fizesse uma visita a ETFPB, para conhecer as reformas ali realizadas – ampliação das oficinas, casa de força, caixa d’agua, laboratórios, ginásio e as pistas de atletismo.  Ele aceitou o convite. Percorreu todo o estabelecimento acompanhado por Itapuan, outros assessores e professores e ao término dirigiu-se à sala da diretoria quando foi servido um pequeno lanche. Em conversa mostrou-se maravilhado com o que ali presenciara, convicto em acreditar nos jovens que estavam sendo formados por aquela instituição, certo de que um grande e promissor futuro os aguardava.

O outro acontecimento marcante foi a participação de José Américo no III Encontro Nacional de Corais das Escolas Técnicas Federais (ENCORET), de 30 de novembro a 4 de dezembro de 1976, em João Pessoa/PB, com apoio do MEC/FUNART, MEC/DEM, governo do Estado da Paraíba e UFPB.  Itapuan, então diretor da ETFPB, e a professora Luzia Simões Bartoline, que era muito sua amiga e sabendo da paixão que nutria pelo canto coral, convidaram o ministro para patrono do Conclave como figura representativa que indissoluvelmente está ligada ao povo e a cultura paraibana, fundador da nossa Universidade, o que equivale dizer, disseminador de ideias, precursor de novos horizontes, e como tal, o mentor cultural de seu povo.  Durante o evento, José Américo foi à abertura, assistiu um dia do espetáculo e compareceu ao encerramento.  Na apresentação final o coral da ETFPB homenageou José Américo com a canção que era sua preferida, “Estela”, música do folclore nordestino com arranjo de Gazzi de Sá.

Com o selo da Academia Brasileira de Letras, José Américo, encerrou o evento proferindo essas palavras dirigidas aos participantes do III ENCORET, frente ao grande público que lotou o ginásio do Clube Ástrea:

“A Paraíba, terra que surpreendeu Mário de Andrade, por sua riqueza de ritmos, encerra hoje o III ENCONTRO DE CORAIS DAS ESCOLAS TÉCNICAS FEDERAIS. Recebemos maravilhados essa mensagem vocal.  Não há forma de comunicação mais pura do que o canto. Os pássaros músicam seus amores e vozes humanas interpretam os sentimentos. A canção poderá ser triste, mas representa a mais bela expressão artística. E nessa forma mista, com a sua variedade, o coro é a multidão que se exprime com todas as suas gamas, como um padrão coletivo rico de humanidade. Jamais esqueceremos noites de tantas presenças, tantas peças, tantas criações regionais e que formaram uma unidade em sua área. Saudamos a Escola Técnica Federal da Paraíba e seu diretor dr. Itapuan Bôtto Targino pelo deslumbramento desta promoção. Tambaú, 4 de dezembro de 1976. José Américo de Almeida “

Ainda estudante e concluinte do Curso de Graduação em Enfermagem, em 1966, fazendo parte da Comissão organizadora da formatura, submetemos o nome de José Américo para ser nosso paraninfo, que teve aprovação unanime. Então, marcamos com sua secretária para ir estar com ele. Recebeu-nos no terraço de sua residência na praia do Cabo Branco. Nos serviu água de coco e perguntou; “ O que vocês querem, meninas? ” Nós dissemos que era para convidá-lo a ser nosso paraninfo na formatura da turma de Graduação em Enfermagem. No momento em que dissemos ser da Enfermagem, ele enalteceu muito a profissão, mostrando a nobreza do exercício da assistência de enfermagem e o sentido humano na expressão da palavra de estar sempre disposta em servir ao outro, incentivando e nos encorajando a ir em frente, sem nada temer. Foi um momento inusitado para nós, eu, Vera Maria Campos Henriques e Clélia Lúcia Ramos Lemos. Então, nos falou que daria a placa de registro da nossa turma. Para a placa criou uma frase lapidar com referência a Enfermeira. Assim consta o seu pensamento registrado: “Velar pelos enfermos é uma vigília em que se esquece a própria noite “.

Após longos anos, quando resolvi adentrar na Academia Feminina de Letras e Artes da Paraíba AFLAP, em 27 de setembro de 2010, escolhi como patrona a professora Maria Tércia Bonavides Lins, ocupante da Cadeira 12, por razões afetivas e reconhecimento de ser Tércia uma educadora renomada, e sua irmã, Maria da Conceição Bonavides Barros, madrinha do meu filho mais novo, Itapuan Filho. Consta do regimento da AFLAP que devemos escrever sobre nossa patrona. Para tanto pesquisei sobre a vida de Tércia e com surpresa averiguei que além de ser uma educadora eficiente pertenceu ao movimento feminista que se instalou na Paraíba em 11 de março de 1923, por meio da Associação pelo Progresso Feminino, comprovando o papel determinante que teve em sua época como mulher, política, profissional e docente que desempenhou na sociedade paraibana. Somando a esses atributos identifiquei ser amiga de José Américo quando jovem, nos seus 19 anos, onde participavam de brincadeiras, reuniões e saraus. Nesse momento da vida ela descortina seu lado intelectual, místico, lírico e romântico, muito bem entrosada com a intelectualidade local e nacional. Pude confirmar isto através de seu “ Álbum de Recordações e Lembranças “, onde deixa de lado aquela personalidade de mulher austera e se mostra uma mulher sensível, amorosa, doce, meiga e dedicada às artes e à literatura, no vigor da juventude, em que os sonhos e os desejos mais impulsivos estão presentes e pode proclamá-los através de poesias, crônicas, sonetos e depoimentos substanciosos e enriquecedores.  Nesse livro-álbum constam 53 registros, manuscritos de intelectuais e literatos os mais renomados e importantes figuras do estado e do país que privavam de sua intimidade e amizade datados de 1922 a 1944, período que abrange um conturbado contexto de guerras. Entre os intelectuais encontra-se o registro manuscrito de José Américo de Almeida para Tércia, assim posto:  “Pensamentos sobre o espirito da poesia. Ser poeta é encordoar a sensibilidade para as vibrações da inteligência. O poeta tem o segredo de cantar chorando. Se lhe perguntarem por que canta, ele dirá porque chora. Ainda os chamados parnasianos, que procuraram dissimular a tortura subjetiva, inventaram a angustia da forma, por uma necessidade humana. Chorar não é uma simples expressão da dor: é todo o paroxismo da Vida. Os que sofrem menos são os que choram com lágrimas. Sofrer pela inteligência é mais doloroso do que sofrer pelo coração. E o poeta sofre duplamente. Sonhar é exacerbar as feridas d’alma. É exagerar as próprias penas. Mesmo quando se sonha acordado os sonhos têm a engenhosa missão da noite. As tristezas da realidade são as tristezas maiores do que as da imaginação. Mas a poesia é mais comovente.  A pieguice é a caricatura do sentimento. É odioso quem desafia.  A arte não pode interpretar essas delinquências.  A dor revela-se por si: não se confessa viver alegre e aprender a morrer. É uma alegria fúnebre. Até quando o verso, descanta o amor, a única doçura do mundo, tem os pressentimentos do abandono.  A inspiração da felicidade é medíocre: todos os grandes poemas têm sido compostos pelo gênio sinistro das tragédias”. José Américo de Almeida. Parahyba, março de 1923.

Com esse pensamento inédito, José Américo deixou para Tércia imorredoura lembrança de seu imaginário sobre o espírito da poesia antes não revelado, e que hoje tenho a oportunidade de socializar e tornar público uma particularidade da intimidade e amizade que nutria por Tércia nos idos de 1923. Percebo que valeu a pena minha intenção de fazer chegar ao público esses relatos, que embora simples são significativos, e inéditos, pois não foram escritos por ninguém e não o seriam se a professora Helena Serrano, Assessora da Presidência da Fundação Casa de José Américo, não houvesse oportunizado essa minha participação, e o faço atrelada ao contexto em que os fatos ocorreram e dentro dos relacionamentos estabelecidos, porque se assim não fosse, perderiam o nexo:  esse lado é o outro não contado em suas obras, que fazia parte de seu dia a dia e vivência mais íntima daquelas pessoas que a ele estavam próximas.

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